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Um penalista no STF
A
inda está pendente a indicação (escolha) de
um nome para a nossa Corte Suprema, dian-
teda aposentadoria compulsóriadoMinistro,
que carinhosamente chamamos de juiz-poeta, Car-
los Ayres Britto. Depois da saída do Ministro Sepúl-
veda Pertence, nenhum outro penalista especializa-
do foi selecionado para compor o referido tribunal.
Trata-se de um vácuo que deveria ser preenchido
prontamente, sobretudo agora diante da impor-
tância e visibilidade que ganhou, no nosso país, o
direito penal econômico e tributário. O caso men-
salão tende a não ser isolado. Opopulismo disrupti-
vo (perseguição criminal dos poderosos) é um mo-
vimento mundial, desde o fnal do século XX (veja
nosso livro Populismo penal midiático, no prelo).
Nas discussões, por exemplo, da teoria do domínio
do fato, do conceito de lavagem de capitais, da do-
simetria das penas, do crime organizado, do delito
de evasão de divisas etc., um penalista especializa-
do teria, com certeza, contribuído bastante para o
enriquecimento do profícuo debate travado no jul-
gamento midiático do mensalão.
Podemos criticar e/ou discordar dos juristas ale-
mães, mas jamais podemos negar a quantidade in-
fnita da produção científca deles no campo penal,
destacando-sea teoriadodelito.Qualquer que seja,
hoje, o tema que se vai discutir (autoria mediata,
domínio do fato, imputação objetiva, posição de
Luiz Flávio Gomes,
jurista e diretor-
presidente do Instituto
Avante Brasil
Por Luiz Flávio Gomes
garante, limites da antecipação da tutela penal -Vorfelkriminalierung etc.),
a premissa número um é se seguimos a teoria moderada funcionalista de
Roxin ou a teoria sistêmica radical de Jakobs, que é o máximo incentivador
– neste princípio do século XXI - do chamado direito penal do inimigo.
Se algo falta nos já ricos debates da Corte Suprema, esse algo reside preci-
samente nas sutilezas teóricas e científcas da atual dogmática penal, cujas
racionalidades epistemológicas e até mesmo flosófcas facilitam enorme-
mente a resolução justa dos casos concretos. Um penalista especializado
no STF, com certeza, daria muito mais brilho para as discussões, não só no
campo penal, senão também no processual, colocando fnalmente em pau-
ta as lições de outro incomensurável tesouro, que é a jurisprudência do Sis-
tema Interamericano de Direitos Humanos.
Como sou professor e estudante dessas áreas, desde logo, faz-se necessá-
rio afrmar que, evidentemente, não estou advogando em causa própria. Já
dei minha contribuição para a magistratura, com 15 anos de exercício. Não
aceitaria nenhum tipo de convite, ainda que fosse para o mais honroso car-
go da carreira.
Para alémde advogar pela indicação de umpenalista para o STF e pensando
no engrandecimento das instituições que contam com papel relevante para
o futuro da nação, vale a pena enfatizar a necessidade do aprimoramento
do processo de escolha desses juízes. O Poder Legislativo deveria sofsticar
sua intervenção, conduzindo sabatinas mais profícuas fundadas na merito-
cracia e no conhecimento, deixando de lado os vínculos de compadrio.
Na Indonésia, recentemente (veja Conjur, matéria de João Ozorio de Melo),
“durante uma sabatina habitual de um juiz indicado para a Suprema Corte,
foi feita a pergunta inevitável — tendo em vista sua relativa proximidade
com a Índia, onde um caso de estupro escandalizou o mundo recentemen-
te: “O senhor acha que estupradores devem ser condenados à pena de mor-
te?”, perguntou um senador. O juiz (candidato) Daming Sunusi respondeu:
“É preciso pensar duas vezes porque, em casos de estupro, o homem e a
mulher o desfrutam”. Claro que quem faz uma afrmação preconceituosa,
machista e mentecapta dessa jamais pode ser juiz de uma Suprema Corte!
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