Revista Ações Legais - page 20-21

20
21
Marcelo Guedes Nunes
- Uma pesquisa conduzida com o apoio da Associação Brasileira de
Jurimetria – ABJ procurou estimar o tempomédio de duração de uma ação de disso¬lução
de sociedade empresária no Brasil. Para obter esse número, os pesquisadores contaramo
tempo de duração, entre a distribuição e o julgamento da apelação em segunda instância,
de uma amostra com 718 ações de dissolução nas 27 unidades da federação. Somando-se
todos os tempos e dividindo pelo número de ações da amostra, obteve-se como média
1.782 dias, ou seja, 4 anos, 10 meses e 22 dias.
No entanto, a média não é uma boa referência de quanto tempo uma ação de dissolução
no Brasil vai demorar, porque o desvio-padrão observado nos resultados foi muito gran-
de. Assim, apesar de termos uma média próxima de cinco anos, o desvio padrão deu 1.063
dias, indicando que os processos observados estavam 2 anos, 11 meses e 3 dias acima ou
abaixo da média, com muitas ações durando mais de 7 anos e outras sendo encerradas
com apenas 3 anos. Somente através da análise conjunta dessas duas medidas-resumo foi
possível visualizar a enorme disparidade de comportamentos dentro do Poder Judiciário
brasileiro e entender na prática quais as possibilidades reais de duração de um processo
de dissolução de sociedade.
Ações Legais - E qual a aplicação real do resultado efetivo desses dados?
Marcelo Guedes Nunes
- Exemplo de inferência estatística importante para a Jurimetria são
as análi¬ses de impacto regulatório. Muitas vezes queremos entender como a mudança
de uma lei afetou o comportamento das partes e dos juízes na condução de conflitos. A
pesquisa empírica que tem por objetivo avaliar as alterações decorrentes de mu¬danças
na regulação é denominada avaliação de impacto regulatório. Através dela, pode-se mo-
nitorar os efeitos das mudanças implementadas nos regimes legais, ou mesmo de avaliar,
preventivamente, se uma proposta de lei, uma vez promulgada, produzirá ou não os efei-
tos desejados.
Ações Legais – Há estudos demonstram como essa análise funciona?
Marcelo Guedes Nunes
- A Lei 11.101, que trata da Falência e da Recuperação de Empre-
sas, promulgada em 9 de fevereiro de 2005, tinha como um dos seus objetivos diminuir a
exposição de empresas em crise ao risco de uma falência e reduzir o número de pedidos
de falência oportu¬nistas (utilizados como meio de pressionar o devedor a privilegiar o
pagamento do autor do pedido). A pedido do Ministério da Justiça (na Série Pensando o
Direito), a Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro procurou responder a esta pergun-
ta (se a lei atendeu ao seu objetivo) através de uma análise de impacto, na qual se avaliou
o efeito da nova lei na quantidade de falências.
Os resultados do estudo foram os seguintes: no que diz respeito à quantidade de falên-
cias decretadas, a nova lei reduziu a média de 266 falências decretadas no período dos 12
meses anteriores à entrada em vigor da nova Lei para uma média de 185 nos 12 meses se-
guintes (redução de 30,45%). O mesmo foi verificado nas falências requeridas. O número
de pedidos de falência antes da promulgação da nova lei passou de uma média de 1.030
pedidos por mês, no período dos 12 meses anteriores à entrada em vigor da nova lei, para
uma média de 452 nos 12 meses se¬guintes (redução de 56,11%).
Ações Legais - É fácil reconhecer que a Jurimetria é um caminho importante do estudo e da
prática jurídica. Na prática, no entanto, quais as consequências da aplicação das normas?
Marcelo Guedes Nunes
- O Direito é um mecanismo de controle social que depende de
uma aderên¬cia à realidade. Se eu sentar esta tarde e escrever na sala de casa a consti-
tuição de um país que tenha meu bairro como território, ela não será Direito pelo simples
fato de que a sociedade não reconhece essas regras como vinculantes. Para serem con-
sideradas parte de uma ordem jurídica, as normas precisam ser obedecidas em um grau
mínimo e, portanto, o Direito não é apenas um conjunto de textos abstratos, que imputa
sanções a condutas: ele é uma autoridade estabelecida capaz de controlar o comporta-
mento das pessoas.
Claro que uma ordem jurídica infalível é uma ficção. As normas não são apli¬cadas a todos
os casos. A polícia falha, os juízes erram e há muitos casos em que a lei deveria ser apli-
cada e não é. A falibilidade, no entanto, não torna o Direito infenso à causalidade, pelo
menos não ao conceito moderno de causalidade. Após a revolução estatística, a ideia de
causalidade determinística, na qual o efeito está necessariamente associado à causa, foi
substituída pela noção de causalidade pro¬babilística, em que o efeito está provavelmen-
te associado à causa. Há causalidade probabilística quando a realização de dada variável é
capaz de aumentar de forma significativa à probabilidade de realização de outra variável.
Assim, ainda que determinada causa nem sempre seja seguida pelo efeito esperado, a
relação existe desde que existam grandes chances de que esse efeito ocorra.
Ações Legais - Os juízes estão abertos à Jurimetria?
Marcelo Guedes Nunes
- Sime não. Cabe um trabalho intenso na formação acadêmica. Pos-
so até concordar que o ideal do conhecimento é a certeza. No entanto, a grande maioria
das questões de nossa vida pessoal, pro¬fissional e acadêmica, especialmente aquelas
envolvendo o direito, como a nego¬ciação de contratos ou a defesa em um processo,
envolve diferentes graus de risco e incerteza. Consequentemente, somos obrigados a
tomar decisões, munidos de informação insuficiente ou contraditória. Dentro desse mun-
do repleto de surpresas estocásticas, a estatística é o método de investigação capaz de
controlar a incerteza, mensurar a probabilidade de sucesso dos argumentos e, com isso,
ENTREVISTA
1...,2-3,4-5,6-7,8-9,10-11,12-13,14-15,16-17,18-19 22-23,24-25,26-27,28-29,30-31,32-33,34-35,36-37,38-39,40-41,...130
Powered by FlippingBook