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História e Constituição:
atores, interpretações,
direitos
Por Eduardo Figueiredo
Dois lugares comuns parecem ter livre circula-
ção no senso incomum de estudiosos do direito
brasileiro. São eles a experiência política inova-
dora que se tornou possível após a promulgação
da Constituição de outubro de 1988, bem como
também a admissão de nova atmosfera, que do
ponto de vista histórico, propiciaria esta expe-
riência. Duas rupturas, portanto. Estes lugares
comuns se repetem sinistramente, sugestiva-
mente, coloquialmente. Eles tornam agudos e difíceis, em meio aos paralelismos que
contém, a captura da experiência política e constitucional brasileira posterior a 1988.
Consideram-se as heranças, a desigualdade e a combinação, o arcaico e a vanguarda?
Em 2013 vagueza e lacunosidade fazem germinar e, também, bloqueiam a compreen-
são de uma ‘experiência’ constitucional possível.
Textos convidam a variadas reflexões mas, quando o jurista escritor não sabe ou não
tem interesse em explorar dados e estatísticas, números e projeções, tabelas e cálcu-
los, ela propõe também reflexões. O ponto de fuga é a literatura ou a filosofia. Porém,
quais literaturas e filosofias? Limites do conhecimento, quais direitos são sérios, qual
integridade do direito na filosofia. Na literatura que tematiza e faz circular mediata-
mente questões sobre o direito dá-se preferência à Kafka, à Marcel Proust, à Robert
Musil ou outro autor que tenha construído sua obra preocupado com os dilemas de
almas solitárias que vivem em grandes cidades e que se perdem no contexto do ‘mun-
do administrado’. Em certos estratos acadêmicos que se autodenominam científicos,
construções mais delicadas e mais abstratas do direito público, pouco compreendi-
das e pouco ‘viáveis’ na variante colonial e ibérica, a qual está na raiz das instituições
brasileiras parecem ter sido esquecidas.
O Brasil das estruturas profundas nas quais o atraso, o preconceito, os subempregos,
o nepotismo, a carência alimentar entre outros desafios existentes não ensejam a
cidadania como um todo é lido, interpretado e explorado na superfície das idiossin-
crasias das decisões judiciais, das suas possibilidades e limites, das exigências da suas
motivações e nas fronteiras das relações entre elas enquanto resultantes da dinâmica
de um poder político. Este caminho escolhido provoca constatação ou análise? Tal-
vez ambas? Esses estratos estão em expansão. Eles se valem da tradição continental
e anglo americana, propondo a leitura pouco discernível de e entre dois horizontes
culturais e políticos bem diversos. Mas a curiosidade e a motivação para perguntar
e investigar parecem comprometidas por um sem número de fatores. Entre eles, é
mais cômodo tomar carona nos modismos teóricos momentâneos. Repousar exte-
riormente diante das asperezas da prospecção e renunciar à natureza subversiva da
escrita e cinza da genealogia resulta na economia do processo criativo. Estacionar na
reflexão possível a qual parte da miríade de racionalidades imagináveis e imaginárias,
tais como podem ser constituídas nas formas abstratas do direito e nas tribos de in-
térpretes também é atraente, ainda que isso se dê no horizonte político de Lampe-
dusa, no qual se muda aqui e ali para nada mudar. Mas, e os intérpretes, esses juristas
escritores? Esses refletem e expressam, naquilo que escrevem, ainda que de modo
rudimentar, os processos históricos?
Certa vez Michel Foucault calou-se diante de indagação sobre os potenciais da litera-
tura política como um discurso que promovia o tempo novo da luzes. Análoga sobre
a literatura tout court, o escritor francês, após algum silêncio, olhou para o entrevis-
tador e considerou: - Seria preciso abordar a questão num outro nível. Como se pode
capturar, no horizonte difuso e crescente de discursos, de liturgias, de subjetividades,
de rasa filosofia, de conjugações no imperativo, de interpenetrações entre normas,
valores e fatos, para não dizer da sacralização de alguns pontos de vista possíveis, as
conexões entre o que se propõe e o que se afirma e a dinâmica da política, das suas
razões existentes no invólucro geral e específico do poder? É um jogo curioso. O que
se observa naquilo que por definição se deseja instituir é uma vanguarda universitá-
ria, a qual passa, por sua vez, a comodamente levar a sério que a linguagem e suas
filigranas podem ‘constituir’ um mundo paralelo entre significantes e significados,
entre intenções e elocuções, entre proposições e pragmática, elevando, de tal sorte,
a comunicação das formas do direito e da política ao plano ideal capaz de vergar a re-
alidade fática bem como as razões de poder a uma integridade divorciada da pobreza
material, política e institucional brasileira. Esta vanguarda é restrita, mas dialoga. Ain-
da que não pareça ultrapassar o círculo limitado e irônico da superfície que detém em
seu elemento interior a confusão entre a ‘verdade’ repetida com palavras diferentes
e o ‘desenho’, ela não vai além da modificação que os proprietários da verdade reco-
nhecem consensualmente e, (...) nesse nível, os efeitos de reforço são recíprocos. Os
grupos ditos de vanguarda e a grande massa da universidade concordam. Isso condu-
ziu a um bloqueio político muito pesado.