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Ônus da prova
Por Wagner Dias Ferreira
Foto: Raíla Melo
E
xiste, no Direito Brasileiro, um princípio de que o “ônus da prova incumbe a quem
alega”. Por isso é sempre obrigação do Ministério Público, utilizando-se do aparato
policial, judicial e da própria instituição ao seu dispor para comprovar suas acusações
frmadas na denúncia, documento técnico elaborado pelo Promotor de Justiça para iniciar
o processo judicial criminal.
Noentanto, aprática forensebrasileiravemnegandovigênciaaesteprincípioporqueoproduto
dos inquéritospoliciaisnãoéanalisadoadequadamentepelosmagistradosque recebemas con-
clusões das peças policiais já comodeterminaçãoabsolutadoquedeverá ser a sentença judicial.
O comportamento dos magistrados brasileiros faz lembrar uma conduta dos ministros religio-
sos quando analisam uma passagem do livro dos Atos dos Apóstolos onde está uma conversa
de Felipe comumhomemda Etiópia.
Na passagem bíblica, Felipe, caminhando ao lado do homem etíope, faz a abordagem ao
homem que lia o texto do profeta Isaías. O texto de Atos diz que Felipe apenas caminhava,
e sobre o etíope claramente diz que este lia o texto do profeta Isaías. Muitos ministros reli-
giosos ao ler esta passagem se prendemà intrepidez de Felipe. No entanto, quemestava na
realização de um ato de fé era o homem da Etiópia. Porque ele investigava, apesar de ainda
não compreender o texto do profeta. A justiça tem adotado a mesma prática dos ministros
religiosos, preterindo muitas vezes a investigação dos fatos para valorizar a suposta “intre-
pidez” ou o “tirocínio policial”.
Este comportamento não só facilita muito o trabalho do Ministério Público que fca isento de
provar oque alega, como impõe aos réus emprocessos judiciais oônus deprovar sua inocência,
negando vigência aoprincípiogeral dodireitode que o “ônus da prova incumbe a quemalega”.
Na passagemdas escrituras o homemda Etiópia ao ler o texto do profeta Isaías está praticando
uma conduta que demonstra sua fé. Se a fé semobras émorta, demonstrada a obra, a fé é pre-
sente. O homem da Etiópia se antecipa emmostrar a sua fé. Ele não mostra que tem fé após o
batismo, mostra antes.
O Direito Brasileiro está a sofrer com procedimentos semelhantes. No inquérito policial, a po-
lícia estabelece primeiro um suspeito e conduz as investigações para provar que o suspeito se
enquadra na acusação. Não há uma preocupação com a observação das evidências que estão
ali antes do estabelecimento de um suspeito. Tanto assim que é lugar comum no processo cri-
minal que uma série de evidências somente chega aoprocesso, para análise seja peloMinistério
Público, seja pela Defesa ou mesmo pelo Juiz, quando o processo já está em andamento, ou
mesmo depois da sentença.
Certa feita foi possível ver emumprocesso de acusação de homicídio chegar aos autos já coma
instrução encerrada um laudo de constatação de local afrmando que havia sido suicídio.
Outro fator de violação do princípio do ônus da prova tem um exemplo simples e que está ex-
posto claramente noArt. 222, § 1º. do CPP, que disciplina a dinâmica das cartas precatórias, onde
fca facultado aomagistrado o encerramento do processo e prolação de sentença mesmo que
esteja pendente a produção de uma prova.
Nesteaspecto, oque seobservaéquenapráticaquandoaprova interessa aoMinistérioPúblico
espera-se a sua produção integral, no entanto, quando é de interesse daDefesa nemsempre se
aguarda a produção completa da prova para pronunciar a sentença, produzindo nos processos
um tratamento desigual entre as partes.
Este é um aspecto em que o processo penal brasileiro necessita de aperfeiçoamento, para ga-
rantir vigência ao princípio do “ônus da prova incumbe a quem alega” garantindo-se a plena
produção da prova às partes.
Wagner Dias Ferreira, advogado e membro da Co-
missão de Direitos Humanos da OAB/MG