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ARTIGO
Cumprimento da pena
criminal após decisão
de segunda instância:
argumentos jurídicos x
política criminal populista
Por Francisco Monteiro Rocha Júnior
D
esde 05 de fevereiro de 2009, quando o Su-
premo Tribunal Federal julgou o Habeas Cor-
pus 84.078, passou-se a se interpretar que a
prisão só poderia ser executada após o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória, nos ter-
mos do art. 5º, inciso LVII da Constituição da Repú-
blica: ninguém será considerado culpado até o trân-
sito em julgado de sentença penal condenatória. Os
argumentos então utilizados pelo STF giraram em
torno do fato de que a prisão preventiva poderia ser
executada a qualquer momento e que a ampla defe-
sa se exerce em todas as instâncias.
Nada obstante esse precedente, o STF pretendeu
estabelecer novo paradigma sobre a questão, ao
julgar, através de seu plenário, o Habeas Corpus
126.292, em 17 de fevereiro último. Deliberou-se na-
quela oportunidade que a possibilidade de início da
execução da pena condenatória pode-se se dar logo
após a confirmação da sentença em segundo grau,
e que esse procedimento não ofenderia o princípio
constitucional da presunção da inocência.
Francisco Monteiro Rocha Júnior é
coordenador da pós-graduação em
Direito e Processo Penal da ABDConst
Em primeiro lugar, e se é possível se aceitar a argumentação de que princípios não são ab-
solutos, também é correto se afirmar que seu núcleo não pode ser reduzido ao ponto de
perder completamente o significado. A prisão preventiva já é uma exceção ao princípio
da presunção da inocência. Ela existe, é aplicada com freqüência, e atende às hipóteses
nas quais o acusado apresenta ameaça à ordem pública, à instrução processual ou ainda
se há risco de que venha a empreender fuga, nos termos do art. 312 do Código de Proces-
so Penal. Precisamos reduzir ainda mais o núcleo do princípio da inocência até o ponto
em que sem fundamentos para preventiva, e com recursos ainda pendentes, se possa de-
cretar a prisão de um acusado? Será que não poderíamos estabelecer a seguinte regra: se
há razões para se decretar a preventiva, que ela seja imposta, e se não há, que se aguarde
o trâmite de todos os recursos?
Em segundo lugar, a argumentação do novo paradigma segundo a qual os recursos di-
rigidos aos tribunais superiores “não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas
matéria de direito, quando se fixa a responsabilidade criminal do acusado” como revela
o acórdão condutor do Habeas Corpus em debate, soa no mínimo estranha. É que, por
exemplo, a desclassificação de um crime mais grave para outro menos grave, sem discus-
são de fatos e provas, é matéria de direito. Mas que pode representar prisão ou liberda-
de. Em outra hipótese, a discussão sobre o parâmetro da pena, sem discussão de fatos e
provas, também é algo que pode redundar em prisão ou liberdade. Se nesses dois hipoté-
ticos casos seria fundamental que a ampla defesa fosse exercida em todas as instâncias,
é de se imaginar quantos outros casos reclamam a mesma solução.
Em terceiro lugar, e se a questão não é jurídica (pois os argumentos do HC 84.078, como
os dois acima, não foram superados) mas é de política criminal (uma suposta “luta” con-
tra a impunidade e contra a demora no julgamento dos recursos) pode-se indagar: por
que os recursos nos tribunais superiores não são julgados de forma mais rápida? Por que
tanto STJ quanto STF ficam sem realizar julgamentos durante 80 dias por ano (férias de
janeiro e julho e recesso de dezembro)? Assim, os recursos poderiam ser julgados mais
rapidamente, e as causas poderiam ter seu desfecho com a prisão, se assim todas as
instâncias decidissem. Mas ao invés de mais julgamentos pautados na presunção de ino-
cência e ampla defesa, o caminho mais fácil é atacar esses mesmos direitos e se regozijar
com a sanha penalizadora do povo. Poderíamos esperar isso dos programas policiais que
infestam os lares. Não do Supremo Tribunal Federal.