Revista Ações Legais - page 20

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Lembro-me de alguns domingos de sol, em que o tio Sansão colocava as quatro crianças
no carro para irmos até uma banca de jornais no centro da cidade. O carro? Um fusca azul
1971 feito às mesmas mãos e tintura daquele entregue pelos cidadãos de Campo Mourão,
quando terminado o mandato do inesquecível prefeito Milton Luiz Pereira. Ele ia buscar
os encomendados jornais de domingo, o Estadão, a Folha e o JB, enquanto autorizava
que a criançada escolhesse um gibi. Na volta uma alegria sem par e a luta para ver quem
é que ficaria fora do “buraco” (só quem foi criança nas décadas de 60 e 70 conheceu o
buraco do fuque).
Leitor contumaz nunca me trouxe respostas prontas. Os questionamentos pertencem a
quem os tem e detém o caminho da própria compreensão. Assim era quando lhe ques-
tionavam sobre o povo americano, afinal, mocinhos ou bandidos? Quando trocou a bossa
nova pelo jazz e tornou-se estudante da Universidade de Nova York conheceu o melhor
de uma sociedade civilizada que é seu desenvolvimento cultural e intelectual, por isso,
nunca mais pode se voltar contra esse precioso universo que aprendeu a respeitar.
Quando meu irmão ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná, re-
cebia dele os livros sob a promessa de que seriam lidos, embora ele jamais tivesse sido seu
aluno na Faculdade, isso porque, na sua turma havia, além dele, diversos filhos de colegas
magistrados, promotores e desembargadores e essa recomendação nunca o aproximou,
ao contrário, evitava qualquer credencial, pois sua comunicação era com o ser humano e
a pureza de sua alma, fosse quem fosse.
Ensinou-me a amar e viver no Rio de Janeiro, como fazia a partir do seu apartamento da
Constante Ramos em Copacabana. Além das belezas da zona sul, percorria as ruelas mais
escondidas do centro da cidade, desde a Biblioteca Nacional, até os mais escondidos se-
bos e livrarias.
De toda uma vida dedicada ao compartilhamento do estudo e da leitura, o mestre nun-
ca se restringiu ao próximo, como era de se esperar de um católico praticante, pois pela
quantidade de livros doados, é possível supor que, todos os dias, em algum lugar, alguém
abra um livro e se depare com sua assinatura, cumprindo da maneira mais nobre sua mis-
são entre nós.
Por Bebel Ritzmann, jornalista
(Este artigo é dedicado, com carinho, a todos aqueles que tiveram o privilégio de conviver
com professor Sansão hoje representados pelo eterno aluno Rodrigo Sanches Rios).
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