Revista Ações Legais - page 28-29

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A desinformação venceu a razão
Por Murillo José Digiácomo
A
aprovação da tramitação da Propos-
ta de Emenda Constitucional sobre
a redução da maioridade penal pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câ-
mara dos Deputados já era esperada, em
especial diante do verdadeiro clima de “co-
moção” criado em torno do tema por al-
guns veículos de comunicação que insistem
em desinformar a população acerca da ver-
dade por trás da responsabilização de ado-
lescentes envolvidos com a prática de infra-
ções penais.
Parte-se de premissas absolutamente equi-
vocadas (a começar pela suposta falta de
meios idôneos já previstos em lei para coi-
bir tais condutas e dar a seus autores uma
“resposta” adequada e proporcional à sua
gravidade), usa-se de argumentos falacio-
sos (como a questão do “discernimento”,
superada desde o Código Penal do Império)
e, por vezes, mentirosos, para se chegar à
conclusão de que a “solução mágica” para o
problema da violência no Brasil seria a redu-
ção da maioridade penal.
Nenhum dos argumentos em favor da re-
dução da maioridade penal, assim como a
promessa que esta seria a “panaceia” para
todos os males que acometem a sociedade
brasileira, resiste a uma análise crítica acerca
de sua razoabilidade.
Culpar a lei vigente (notadamente o Estatu-
to da Criança e do Adolescente) pelo verda-
deiro “caos” na segurança pública em que o
país se encontra chega a ser pueril, e somente quem não conhece quer o Sistema
Socioeducativo, quer o Sistema Penal brasileiro pode ter a ilusão de que encaminhar
adolescentes para este último terá algum efeito positivo sobre os índices de violên-
cia, especialmente a médio e longo prazos.
Muito pelo contrário. O ingresso precoce (e se pretende cada vez mais precoce) de
adolescentes no Sistema Penal (que se encontra comprovadamente “falido” e em boa
parte “dominado” por organizações criminosas), com índices de reincidência que bei-
ram (e em alguns casos superam) os 70%, seguramente apenas irá agravá-los, isto se
houver vagas suficientes para recebê-los, considerando que, segundo dados de 2012,
havia um déficit de 237 mil vagas no Sistema Prisional, alem de 437 mil mandados de
prisão expedidos e não cumpridos (isso somente em relação a adultos penalmente
imputáveis) .
Outros países que incorreram no erro da redução da idade penal, como é o caso da
Espanha e da Alemanha, logo trataram de aumentá-la novamente, e mesmo países
considerados “conservadores” e “rigorosos” na repressão de infrações penais pra-
ticadas por adolescentes, como é o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos, têm re-
visto a forma de tratar seus jovens infratores, apostando na educação e na busca de
alternativas ao encarceramento em estabelecimentos prisionais como solução para o
problema da violência.
A educação, aliás, é o único – e verdadeiro – caminho, e isso não significa, logicamen-
te, que adolescentes autores de infrações penais não devam ser responsabilizados
por seus atos e mesmo, se necessário, colocados em regime de privação de liberda-
de (como, aliás, hoje já ocorre, de acordo com a lei vigente). Mas isso deve ocorrer
num local adequado, que respeite sua condição de pessoas em desenvolvimento (as-
sim reconhecida pela própria Constituição Federal) e lhes proporcione oportunidades
concretas para uma vida digna e produtiva para sociedade.
A redução da maioridade penal, se aprovada, fecharia essa última “janela de oportu-
nidade” para reversão da espiral de violência e intolerância na qual o Brasil se encon-
tra (e que a Lei Penal comprovadamente não é – e nunca será – capaz de reverter),
com gravíssimas consequências para as gerações futuras.
É por essas e outras (muitas outras) razões que conclamamos todos os cidadãos cons-
cientes – assim como nossos nobres parlamentares – a se informarem melhor sobre a
matéria e não se deixarem levar pela emoção (e pela ilusão), assim como pelo discur-
so populista e sem qualquer lastro de verdade que culpabiliza os adolescentes pelo
aumento da violência no Brasil (esquecendo de mencionar que eles, comprovada-
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