Revista Ações Legais - page 40-41

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ARTIGO
Encarceramento como
solução final
Por Wagner Dias Ferreira
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egistros históricos demonstram que os
homens acreditavam receber o Direito
dos deuses ou de homens que se diziam
porta vozes de Deus. Exemplo é a história de
Moisés, que recebeu de Deus a tábua dos dez
mandamentos. Aí se vê o direito como algo so-
cial concedido aos homens por Deus para so-
breviverem em sociedade e, atendendo ao ob-
jetivo de formar um povo diferenciado. Com
a evolução da sociedade e o surgimento dos
romanos, o Direito passa a ser ditado pelo Se-
nado Romano ou pelo imperador, mas ainda
é forte a presença da divindade. Na transição
para o período moderno, havia a crença no po-
der divino dos reis.
Com o iluminismo e a Revolução Francesa, co-
meça a se fortalecer a ideia do Direito como
fruto do contrato social. Os homens definem
regras de convivência. Esse conceito levou os
homens a transformarem a sociedade, com a
participação do povo cada vez mais ampla nas
definições políticas do Estado, ao menos teo-
ricamente. Em todos estes modos de ver o Di-
reito sabe-se que na verdade havia interesses
a se defender na elaboração das normas. Moi-
sés, um príncipe sem direito ao trono, queria
transformar umgrupo de escravos egípcios em
um povo autônomo, pois eram muito mais nu-
merosos do que os egípcios e eram eles quem
produziam toda riqueza com seu trabalho. Os
* Advogado e Membro da Comissão de
Direitos Humanos da OAB/MG
romanos distinguiam cidadãos e gentios impedindo o acesso destes a muitos benefícios,
de modo que o Direito visava preservar certo grupo de pessoas mantendo privilégios e
impondo aos outros a serventia.
No período das luzes a ideia do contrato social visava transpor o poder das mãos da no-
breza para a elite burguesa o que autorizou a sociedade a revisar seu direito e proporcio-
nar a participação de um segmento que produzia riquezas mas não tinha poder. Neste
contexto, os brasileiros estão a discutir a modificação na idade que determina a impu-
tabilidade penal. Hoje são inimputáveis os menores de 18 anos. Mas o que está em jogo
não é somente uma escolha política conjuntural, nem o combate ao crime. O país tem leis
criminais desde o tempo da colônia e elas nunca fizeram cessar a criminalidade. Muitos
países têm leis que tratam crianças como imputáveis criminalmente e isso não reduz a
violência nem torna estas sociedades mais harmônicas. Se tomarem o crescimento popu-
lacional brasileiro nos últimos anos, bem como a diferença social, onde um grupo peque-
no de pessoas detém a maior parte dos bens econômicos produzidos na sociedade e um
número cada vez maior de pessoas pressionam para ter acesso a estes bens, começa-se a
perceber que por trás desta mudança está o desejo de ampliar o encarceramento.
Discute-se a redução da maioridade penal, como se todo adolescente fosse criminoso e
que alguns estarão livres da polícia automaticamente. A ideia de redução da maioridade
penal aponta na direção da criminalização dos adolescentes, por isso está por traz dessa
ideia o encarceramento de um contingente populacional, independente de saber se são
criminosos ou não. Marcando para sempre estas pessoas que jamais terão acesso à cida-
dania plena como ocorria com os gentios no império romano. Assim o encarceramento
como solução final para a criminalidade não atenderá ao clamor do discurso justificador
da medida, mas criará problema maior para a sociedade brasileira, com um contingente
enorme de gentios sem acesso à cidadania, em face das marcações que se lhes fizeram
ao tempo da adolescência.
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