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ENTREVISTA
Professor da USP aborda
regulação do terceiro setor
P
ós-Doutor em Direito Administrativo pela Faculdade de Direi-
to da Universidade de Coimbra e doutor emDireito do Estado
e professor da USP, Gustavo Henrique Justino de Oliveira in-
tegra a Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB São Paulo e
é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Advogados do Terceiro
Setor – IBATS. Foi professor visitante de Direito Administrativo da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Com exclusivida-
de, Justino Oliveira concede entrevista para a revista Ações Legais,
e aborda a regulação do terceiro setor no Brasil, a Lei de Arbitra-
gem e o Poder Público, o Novo Código do Processo Civil.
Ações Legais - Como o Dr. avalia a atual Lei de Arbitragem. Quais
foram os avanços? Houve retrocessos?
Justino de Oliveira
- Em geral, considero muito positiva a reforma da Lei da Arbitragem
promovida pela Lei nº 13.129/2015. O principal avanço é a inclusão de autorização expres-
sa para que a administração pública direta e indireta utilize-se da arbitragem para dirimir
conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Tenho defendido que essa possibili-
dade já existia antes mesmo da reforma, porém a inclusão desse dispositivo certamente
dará mais tranquilidade e segurança aos gestores públicos que pretendam incluir cláusula
compromissória em contratos administrativos.
De outra parte, penso que se perdeu uma oportunidade de ampliar a utilização da ar-
bitragem com o veto ao §4º do art. 4º do texto aprovado pelo Congresso Nacional, que
previa a possibilidade de resolução de conflitos trabalhistas por esse meio, desde que se
tratasse de empregados ocupantes de cargos executivos ou administrativos e que hou-
vesse sua expressa concordância com a instituição da arbitragem. A proposta aprovada
no congresso não feria direitos trabalhistas e, em verdade, possibilitava uma resolução
mais célere e eficiente de conflitos envolvendo detentores de altos cargos, o que poderia
ser muito positivo para o empregado.
Ações Legais – Qual o papel da arbitragem e mediação no âmbito do Poder
Público?
Justino de Oliveira -
Tanto a Arbitragem quanto a Mediação tendem a ganhar espaço jun-
to à Administração Pública em decorrência da promulgação das alterações na Lei Geral
de Arbitragem (Lei nº 13.129) e da Nova Lei de Mediação (Lei nº 13.140). As normas em
destaque reforçam uma mudança paradigmática que vem se consolidando na atuação
do Poder Público, que deixa de ser orientado exclusivamente pela lógica da autoridade e
passa a incorporar a lógica do consenso.
Penso que o Poder Público já percebeu que as soluções impositivas em dilemas contratu-
ais elevam os custos da execução do contrato, podendo até mesmo inviabilizá-la. Neste
novo paradigma da Administração Consensual, os contratos administrativos passam a ser
encarados como instrumentos de consecução das atividades da Administração por meio
da colaboração dos particulares, o que depende de soluções mais eficientes em caso de
eventuais conflitos. A utilização dos institutos da Arbitragem e da Mediação é vantajosa
pois tende a reduzir os custos de negociação destes contratos, tendo em vista (i) a agili-
dade com que estes procedimentos são concluídos e (ii) a especialização dos responsá-
veis por lidar com a conclusão dos procedimentos, sejam árbitros ou mediadores.
Parece-me que a previsão desses institutos nos contratos administrativos (ou de ambos,
via cláusulas escalonadas) terá como efeitos a geração de incentivos para o adimplemen-
to das obrigações contratuais pelas partes, tendo em vista que, em hipótese de descum-
primento, os litígios serão resolvidos de maneira célere e com a precisão decorrente da
alta especialização do procedimento. Ambos os institutos, portanto, passam a ser consi-
derados como instrumentos de gestão dos contratos públicos, restando verificar como a
Administração se valerá desta importante ferramenta.
Ações Legais – Como o Dr. vê a regulação do terceiro setor no Brasil? Poderia fazer uma
comparação com outros países?
Justino de Oliveira -
A regulação do terceiro setor no Brasil tempassado por umnítido pro-
cesso de evolução, sobretudo nesses últimos vinte anos, quando as parcerias do Estado
com o terceiro setor ganharam novos contornos e finalidades, sendo integradas a uma
ampla política estatal de fomento. Isso se deu a partir de 1995, com a Reforma Gerencial.
No contexto estrangeiro, a regulação é muito variada. Cada país possui um regime pró-
prio de Direito Público, o que confere peculiaridades às atuações do terceiro setor. No
entanto, em que pesem essas peculiaridades, algumas experiências estrangeiras influen-
ciaram bastante a de nosso país. A reforma gerencial e a própria atuação do terceiro se-
tor no SUS, por exemplo, foi pensada com base nos sistemas de saúde da Inglaterra e da
Catalunha. No processo de evolução da regulação do terceiro setor entre nós, é relevante
mencionar a Lei Federal nº 13.019/14 que instituiu o regime jurídico das parcerias volun-
tárias, estabelecendo normas gerais que regulamentam essas relações de mútua coope-
ração entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil. Ainda é muito
cedo para fazer-se qualquer avaliação mais criteriosa da mencionada lei. No entanto, ela
demonstra a preocupação e o desejo por parte da sociedade e do legislador de aperfei-
çoar os mecanismos de parceria entre Estado e terceiro setor, trazendo mais segurança
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