Importância da solução consensual de conflitos na gestão de contratos públicos

Tema foi debatido em painel do XX Congresso Paranaense de Direito Administrativo, promovido pelo IPDA, em Curitiba

Os professores Fernando Vernalha Guimarães, Maria Fernanda Pires e Vivian Cristina Lima López Valle foram responsáveis pelos debates sobre a solução consensual de conflitos, tema do sexto painel do XX Congresso Paranaense de Direito Administrativo, realizado em Curitiba, entre os dias 27 e 30 de agosto, na sede da OAB Paraná. Os debates foram mediados por Eduardo R. C. Tesserolli e relatados por Mateus Graner.

O painel colocou em discussão as seguintes questões: o art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB pode ser interpretado como permissivo genérico à celebração de acordos pela Administração Pública? Caso afirmativo, pode ser considerado como fundamento de validade para possíveis acordos em matéria de sanções contratuais? E ainda foram feitas considerações críticas sobre o consensualismo e os limites das prerrogativas contratuais da Administração Pública.

Sexto painel do XX Congresso Paranaense de Direito Administrativo - Foto: Bebel Ritzmann
Sexto painel do XX Congresso Paranaense de Direito Administrativo - Foto: Bebel Ritzmann

Controle

De acordo com Fernando Vernalha, a administração pública pode celebrar acordos, exceto nas hipóteses de sanção. “Temos leis setoriais que disciplinavam possibilidade de acordos específicos. Os artigos 5 e 6 da Lei Ação Civil Pública eram interpretados como permissivo genérico, inclusive pelos órgãos de controle e pelo Poder Judiciário”, ressaltou.

Lembrou que as agências reguladoras também editaram seus regulamentos com possibilidade de acordos com base em tal legislação. “Agora, a LINDB cria condicionantes e uma regulamentação mínima”, salientou.

Para Vernalha, o principal problema é a discricionariedade, pois todos estes acordos dependem do grau de discricionariedade. “Então, por mais que os operadores consigam expor as vantagens, não é possível constranger o gestor para que celebre acordo. E, num cenário de ativismo judicial, é inegável que há risco jurídico de eventual responsabilização e isto pode dificultar as negociações”, sublinhou.

Fernando Vernalha Guimarães - Foto: Bebel Ritzmann
Fernando Vernalha Guimarães - Foto: Bebel Ritzmann

Marco regulatório

A professora Maria Fernanda destacou que “nós temos um regime ou um marco regulatório para a realização destes acordos da forma mais ampla possível. Nem precisaríamos de regulamentação, pois o art. 26 traz as balizas mínimas necessárias”, observou. Pontuou que a ideia do acordo do art. 26 atinge tanto a função sancionatória como a adjudicatória. “Acredito que os acordos podem ser utilizados, mas sua utilização não pode ser desonerativa e deve ser devidamente motivada e também comprovado o relevante interesse público”.

Afirmou que se preocupa muito com a questão do controle. “Nós já temos permissivos desde os artigos da Lei de Ação Civil Pública, no bojo das matérias da ação. A não celebração é muito mais uma questão cultural do que de permissivos legais. A Constituição Federal nunca vedou”, ressaltou, indagando Por que tanto receio? “Retomo a questão da cultura de medo, de apagão das canetas. O problema é o controle e da inexistência de uma teoria geral de sanção. O sujeito pode ser punido em diversas áreas. No TCU não há posição firmada quanto à possibilidade de verificar eventuais erros nos acordos de leniência. Portanto, meu receio, então, é o controle externo”.

Finalizou suas considerações, expondo que a “consensualidade está muito no âmbito acadêmico e teórico. Os TACs - Termos de Ajuste de Conduta são muito menos questionados do que os acordos da administração pública. Precisamos evoluir para entender a consensualidade como caminho para eficiência”.

Maria Fernanda Pires - Foto: Bebel Ritzmann
Maria Fernanda Pires - Foto: Bebel Ritzmann

Conflitos

Vivian Cristina Lima López Valle respondeu que sim, a solução de consensual de conflitos pode modernizar a gestão dos contratos públicos. Afirmou que, de fato, o art. 26 vem por estabelecer um permissivo genérico e também é fundamento de validade em matéria de sanções contratuais. Para ela, a LINDB não cria uma situação nova  e o consensualismo é uma realidade desde a década de 80. “Costumo dizer que a teoria contratual administrativa equivale a um vestido 36 para vestir um corpo 54. A LINDB não dá conta do recado e do incremento de complexidade”, enfatizou. “A Lei das Estatais é diferente de um contrato de fornecimento da Lei 8666. Também diverge completamente dos contratos de concessão e das PPP. Temos regimes jurídicos contratuais que vão exigir um repensar da Administração. Não dá para falar em um regime geral de prerrogativas. Falta muito ainda para a alteração de cultura do consensualismo”, explicou.

A professora acentuou que existe medo do administrador em face do Tribunal de Contas, Ministério Público etc. “Dentro desta perspectiva, a aplicação envolve um repensar da relação jurídico administrativa. O art. 26 traz parâmetros mínimos para o administrador. A legislação regulatória favorece os TACs, mas a realidade mostra que é o contrário: os TACs nas agências são muito questionados”, pontuou. A necessidade de uma alteração cultural é significativa, sugere, destacando que isso acontecerá quando os tribunais adotarem um viés consensualista. “Afinal, são eles que orientam os administradores”. Colocou que o art. 26 tem aplicação imediata e não precisa de regulamentação. “Porém, a grande dificuldade é mudar a cultura do administrador, que tem receio dos órgãos de controle”, frisou.

Vivian Cristina Lima López Valle - Foto: Bebel Ritzmann
Vivian Cristina Lima López Valle - Foto: Bebel Ritzmann

Acordo

O painel prosseguiu com debates. A questão proposta tratava da possibilidade do consensualismo eliminar as prerrogativas contratuais da administração pública ou deve apenas limitar sua utilização para casos excepcionais, como os de comprovação de interesse público. Vernalha acredita que a gestão pública já pode substituir uma prerrogativa por uma via consensual, mas são raras as hipóteses que uma providência unilateral é substituída por um acordo, de forma mais rápida, simples e sem risco.
O professor concorda que há um problema cultural do controlador. E propõe a extinção das prerrogativas, porque nosso regime contratual não pode ser fundado em prerrogativas, mas isso deveria ser alterado por lei. “Também precisamos mitigar os riscos destas prerrogativas, porque é caro mudar as regras do jogo”, observa.

Completou que “poderíamos ter uma evolução para acordos integrativos, incluindo reequilíbrio econômico-financeiro, cujos cálculos serão acompanhados por auditores externos”. Por fim, propõe mudanças no regime jurídico para mitigar as prerrogativas, criando-se uma hipótese de decisão urgente para o árbitro. “Penso que se deve compartilhar com o árbitro ou juiz, com participação de auditores para auxiliar nos cálculos”.

A professora Maria Fernanda discordou da posição de Vernalha, e entende que o consensualismo não deve eliminar as prerrogativas. “Uma coisa é pensarmos o consensualismo em face da mitigação da unilateralidade e imposição. Outra coisa é pensarmos na ideia de supremacia e indisponibilidade do interesse público. Precisamos repensar o caminhar da administração e novas formas de assentar a adequação e execução destas atividades. Não vejo possibilidade de acordos abrirem mão da indisponibilidade e supremacia. Pode-se praticar a consensualidade, mas respeitando estes dois nortes da Administração Pública”, assinalou.

Legalidade

Por fim, a professora apontou que “estamos ainda presos à ideia de legalidade restrita. O próprio gestor é a pessoa mais receosa, sobretudo em face dos órgãos de controle. A ausência de individualização de condutas, por exemplo, é um problema grave. O judiciário acaba sendo uma `solução` para os administradores”.
“Não temos um regime geral de contrato”, destacou Vivian López. Para ela, é necessário trabalhar os contratos a partir das conformações legais e do contexto. “As prerrogativas aparecem não como naturais aos contratos. Elas vão aparecer como balizadores de um regime jurídico mínimo e não serão elemento formador do contrato e deixam de integrar a posição da administração pública”, explicou.

Em sua visão, existe a necessidade de rever o modelo de contratação geral para que a autoridade abandone a postura beligerante e conflituosa, para que haja relação simétrica e de acordos integrativos, sem prescindir da condição de autoridade (que não justifica o contrato, mas defende o interesse público). Vivian López propõe: a noção de urgência, de análise concreta do interesse público e de motivação adequada e suficiente. “Casamos com conceitos indeterminados, desde o que é indenização justa, solução ótima. Precisamos trabalhar num esforço de exegese. A autoridade é ultima ratio, vem quando o consenso não alcançou seu resultado”, concluiu.