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deve receber um tratamento especial no marco dos sistemas de justiça penal juvenil, para
ser julgada conforme a sua idade. Nesse sentido, é falso afirmar que os menores que co-
metem crimes graves não são responsabilizados por seus atos.
Além disso, um relatório deste ano do Unicef mostrou que o Brasil é o segundo país com
maior número de homicídios de crianças e adolescentes no mundo –atrás apenas da Ni-
géria – e que 28 crianças e adolescentes são assassinados por dia no país. Isso revela que
os menores de idade são principalmente vítimas de delitos graves.
Os 195 Estados do mundo que ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança, in-
cluindo o Brasil, se comprometeram a adotar todas as medidas legislativas para proteger
os menores de idade. Porém, a redução da maioridade penal contraria esse mandato e
não é solução nenhuma para o problema da insegurança.
A Câmara dos Deputados do Congresso Federal deu um passo na direção contrária aos
padrões internacionais, aprovando um projeto para reduzir a maioridade penal de 18 para
16 anos para alguns crimes especialmente graves. A adoção definitiva desta norma com-
prometeria a responsabilidade internacional do Estado por descumprir o que estabelece
a Convenção sobre os Direitos da Criança, e ao Brasil não lhe restaria senão denunciar e
se retirar do tratado.
De fato o Comitê da ONU sobre Direitos da Criança deve revisar a situação de direitos
humanos dos menores de idade no Brasil e uma delegação do Estado irá comparecer pe-
rante os especialistas internacionais na Suíça, onde deverá explicar esse projeto incompa-
tível com a Convenção.
É de esperar, então, que as discussões no seio da sociedade brasileira, e especialmente a
tramitação do projeto no Senado Federal, levem em conta os compromissos que o Con-
gresso do Brasil assumiu soberanamente quando ratificou os instrumentos internacionais
de direitos humanos, e que por tanto se obrigou a respeitar e promover.
E
m vários países da América do Sul, incluindo o
Brasil, tem ressurgido com força a discussão
sobre reduzir a maioridade penal e tratar os
menores como adultos quando cometem crimes. Os
principais argumentos para isso são um suposto au-
mento da violência juvenil, que os menores de idade
não seriam responsabilizados por seus atos ou que
as penas que recebem seriam insuficientes.
O cerne da questão, que não é mencionado neste de-
bate, é se a reducão da maioridade penal é efetiva
ou não para combater a violência. Nesse sentido, basta dar uma olhada nos regimes pe-
nitenciários da região para entender que mais penas não é sinônimo de menos crimes,
evidenciando o fracasso sistemático das leis e políticas restritivas no tema.
No caso do Brasil, essa discussão infelizmente ignora as obrigações internacionais de di-
reitos humanos contraídas pelo Estado. Apenas há umas semanas, durante uma visita ofi-
cial ao país, o relator da ONU sobre a Tortura Juan Méndez disse que “processar adoles-
centes infratores como adultos violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção
sobre os Direitos da Criança”.
Com efeito, esse tratado internacional proíbe que os menores de 18 anos sejam julgados
como adultos e obriga a adotar uma idade mínima em que o Estado renuncie a punir as
crianças criminalmente. A Convenção tambémdispõe que seja implementado um sistema
de responsabilidade criminal especial para os menores de idade, que garanta a presunção
da inocência e o devido processo legal. Esse regime específico deve estabelecer sanções
diferenciadas em relação aos adultos, e a privação da liberdade deve ser uma medida ex-
cepcional e de último recurso.
Em razão do anterior, no momento de cometer um crime, toda pessoa menor de 18 anos
ARTIGO
Com redução da maioridade
penal, o Brasil ignora
compromissos internacionais
Por Amerigo Incalcaterra
Amerigo Incalcaterra, representante
regional para a América do Sul do
Escritório do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Direitos
Humanos (ACNUDH)
Foto Carlos Vera