Revista Ações Legais - page 114-115

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ARTIGO
Litígios nas relações de consumo – a
indevida busca pela responsabilidade
absoluta do fornecedor
Por André Muszkat, advogado, advogado
e especialista em Direito do Consumidor.
A
pesar da frequente necessidade de alterações e
adaptações às transformações da sociedade, os
preceitos do Código de Direito do Consumidor
(“CDC”), após 26 anos de sua entrada em vigor, estão
bem sedimentados.
A busca pelo maior equilíbrio nas relações consumeristas
é tema frequente de estudo e discussão. Entretanto, de-
ve-se se ter cuidado para que as conquistas trazidas pelo
CDC ao longo dos anos não sejam distorcidas, ensejando
a concessão – muitas vezes, infelizmente, com a chancela
do Poder Judiciário - de vantagens indevidas em favor dos
consumidores.
Dentre os preceitosmais conhecidos do CDC, destaca-se o
da responsabilidade objetiva do fornecedor (artigo 12 do
CDC), em que se determina que o fornecedor responde
por eventuais defeitos em seus produtos ou serviços, in-
dependente de culpa.
Ocorre que, a interpretação a respeito da responsabili-
dade objetiva do fornecedor, em muitas ocasiões, não é
devidamente utilizada, gerando um enorme número de
demandas judiciais e reclamações perante os órgãos de
defesa do consumidor.
Comefeito, não obstante o apontamento no artigo 12, § 3º
do CDC das excludentes de responsabilidade do fornece-
dor, torna-se cada vez mais comum a tentativa de trans-
formar a mencionada responsabilidade objetiva em abso-
luta, buscando-se a responsabilidade do fornecedor em
razão de qualquer fato relacionado ao produto ou serviço
oferecidos no mercado de consumo, mesmo que não se
verifique qualquer defeito intrínseco ao produto ou servi-
ço.
Podemos citar, como exemplo, ações envolvendo mon-
tadoras de automóveis, demandadas em razão de alega-
ções de defeitos emairbags, cintos de segurança ou freios
de seus veículos.
Emmuitos casos, apesar das orientações existentes no manual do veículo, das informações sobre
as hipóteses emque o airbag deveria ser acionado, do imprescindível uso a todomomento do cinto
de segurança ou da necessidade de revisão dos veículos em locais autorizados, as montadoras são
demandadas emrazão de acidentes que emnada se relacionamcoma qualidade de seus produtos,
mas emmuitos casos, apenas coma imprudência de seus consumidores na condução dos veículos.
Outro exemplo facilmente encontrado emdemandas judiciais indevidas é a busca pela responsabi-
lização do fornecedor de produtos médicos. Mesmo não tendo o consumidor seguido as orienta-
ções médicas necessárias para o devido funcionamento adequado do produto, busca-se a respon-
sabilidade do fornecedor.
Citamos também os conhecidos casos de alegação de extravasamento de próteses de silicone. De
fato, é comum a verificação de realização de exames na região do implante ou sofrimento de trau-
mas pelos consumidores que ocasionaram os alegados extravasamentos, não havendo qualquer
relação de tais fatos com a qualidade do produto.
Vale destacar, inclusive, o surgimento de demandas em razão da divulgação de realização de cam-
panha de recall de determinado produto. Conforme já é de conhecimento geral, a campanha de
recall temcaráter preventivo, a fimde se verificar a necessidade de eventuais ajustes nos produtos,
não sendo qualquer reconhecimento pelos fornecedores da existência inequívoca de defeito, con-
forme, inclusive, já sedimentado no âmbito da jurisprudência pátria.
Não obstante, são inúmeras as ações ajuizadas buscando-se a responsabilização de fornecedores
em razão da notícia do recall de determinado produto, mesmo que o eventual acidente ocorrido
não se relacione com o objeto do recall. Não raros também são os casos em que não se verificou
qualquer acidente ou prejuízo, mas se busca a reparação por danos morais em razão da campanha
de recall, alegando-se suposto sentimento de insegurança.
Tais situações do cotidiano apenas exemplificama utilização abusiva da chamada responsabilidade
objetiva dos fornecedores de produtos ou serviços.
Fato é que, para verificação da mencionada responsabilidade objetiva, se deve levar em conta di-
versos fatores, inclusive aqueles relacionados à conduta dos consumidores em face da utilização
dos produtos e serviços, ponderando, ainda, a razoável extensão da hipossuficiência dos consumi-
dores, que igualmente não deve ser aplicada de forma indistinta e presumida.
Portanto, a correta e proporcional utilização dos institutos do CDC terá o condão de fortalecer e
ampliar a proteção destemicrossistema consumerista pelo Estado, preservando as garantias já ad-
quiridas ao longo destes anos de vigência da legislação.
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