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ESPAÇO DAS LETRAS
A Orquestra Vermelha
Anne Nelson, Editora Record, 490 páginas, R$ 58,00
Em regimes totalitários, estranhas alianças são forma-
das, unindo indivíduos de diferentes crenças ideoló-
gicas e religiões em torno de um compromisso com
a mesma e única humanidade. A orquestra vermelha
conta a história de umgrupode resistência antinazista
formado por pessoas comuns – intelectuais, escrito-
res e burocratas, que juntos tentaramatuar nas falhas
do regime totalitário alemão, infiltrando-se em instân-
cias do governo, vazando informações secretas para
países inimigos de Hitler, distribuindo panfletos de de-
sobediência civil e ajudando judeus a fugir.
Fruto de uma pesquisa de anos e entrevistas inédi-
tas, o livro da renomada jornalista e professora da
Universidade de Columbia Anne Nelson é constru-
ído a partir do olhar de Greta Kuckhoff, uma alemã
de classe média baixa que vê seus planos de douto-
rado frustrados com a ascensão do Terceiro Reich.
Para conseguir driblar o cerco nazista, vários membros da Rote Kapelle (nome dado pela
Gestapo ao grupo) arriscaram suas vidas, forampresos, torturados. E, por fim, alguns per-
deram a vida precocemente.
Com fatos inéditos, A orquestra vermelha começa em 1927, relembrando os dourados anos
1920 emBerlime o desespero dos alemães como fim, em 1929, dos empréstimos americanos
que ajudavam na reconstrução do país após a Grande Guerra. O livro ainda expõe a descon-
fiança de alguns líderes mundiais (e a admiração de outros) por Adolf Hitler, naquela época
ainda uma incógnita paramuitos países europeus, os EUA e os soviéticos.
TRECHO
“Uma semana mais tarde, Harro viajou até um lago no subúrbio berlinense de Wannsee,
onde o esperava seu barco a vela. No cais, encontrou-se com Günther Weisenborn – ami-
go, coconspirador e amante de sua esposa. Os dois navegaram com um forte vento de
proa, sob o céu noturno. Harro estava pensativo. ‘Amanhã à noite nos lançamos contra a
Polônia’, disse a Weisenborn. ‘Até então, Hitler tinha espaço para manobra, mas agora ele
começará a se manietar. Agora, a verdadeira história mundial será feita, mas não apenas
por ele. Nós todos iremos desempenhar nossa pequena parte, todos à nossa volta e nós
também. Será a maior guerra da história mundial, mas Hitler não sobreviverá a ela’”.
Anne Nelson é escritora, dramaturga e professora de relações internacionais da Uni-
versidade de Columbia, em Nova York. Como correspondente de guerra, morou em El
Salvador e na Guatemala, entre 1980 e 1983, escrevendo para importantes jornais como
o New York Times e o Los Angeles Times. Pela pesquisa em A orquestra vermelha¸ Anne
Wilson ganhou um prêmio dedicado a trabalhos sobre o Leste Europeu e a Alemanha,
da Fundação Guggenheim.
Convulsão protestante
Antônio Carlos Costa, Editora Mundo Cristão, 256
páginas, R$ 29,90
Muitos dos que acompanham as criativas e con-
tundentes manifestações contra a violência e a
desigualdade social e em favor dos direitos huma-
nos, emespecial na cidade do Rio de Janeiro, – cuja
eloquência e impacto alcançam a mídia em todo o
planeta – não fazem ideia de quem está por trás
desse movimento. Esse alguém é Antônio Carlos
Costa (ACC), presidente da Rio de Paz. A ONG foi
criada em 2007, após uma onda de atentados que
varreu a cidade do Rio de Janeiro e é filiada ao De-
partamento de Informação Pública da ONU (Orga-
nização das Nações Unidas).
A Rio de paz leva a missão de “ser agente de redu-
ção das violações dos direitos humanos por meio
de ações pacíficas e criativas que mobilizem a sociedade e poder público” e ganhou no-
toriedade após organizar grandes manifestações em prol da população. A última foi no
dia 20 de maio, depois de um ciclista morrer esfaqueado na região da Lagoa, zona sul
do Rio. Filho de policial, Antônio chegou a ganhar a vida vendendo contrabando, até o
dia em que se converteu. Em Convulsão Protestante – Quando a teologia foge do tem-
plo e abraça a rua, o autor mostra como os valores cristãos foram a base sobre a qual
construiu seu ativismo.
Conhecido no Brasil e internacionalmente, ACC não mede esforços. Seja quando está
na delegacia distribuindo donativos para os prisioneiros; na praia de Copacabana, cra-
vando cruzes na areia para protestar contra mortes resultantes da violência policial; em
frente à sede da FIFA, na Suíça, em uma manifestação contra o uso de recursos públicos
para a realização da Copa do Mundo de Futebol ou em favelas malcheirosas, onde entra
para implementar projetos de melhoria de vida. Antônio vai aonde tiver de ir para pro-
mover a dignidade do ser humano e reivindicar direitos esquecidos por quem deveria
defendê-los.
No livro, o autor compartilha histórias e experiências vividas em seu contato com o Bra-
sil underground - o submundo das favelas, das prisões e da violência – e faz um relato
emocionante acerca das bases teológicas que o levou à militância em favor de melhores
condições de vida para os moradores de comunidades pobres. Nele, ACCconclama to-
dos os que dizem se importar com o ser humano a arregaçar as mangas e agir. Profun-
damente desafiador, Convulsão protestante se configura como leitura obrigatória para
todos aqueles que desejam sair da zona de conforto e ajudar efetivamente a combater
as mazelas sociais que vitimizam comunidades inteiras.