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ARTIGO
Ficção etária
Por Fernando Rizzolo
F
alar sobre a vida, opinar sobre os prin-
cípios que nos norteiam através da éti-
ca e da religião, me parece, de certo
modo, tarefa bem mais fácil quando tende-
mos apenas a discorrer, comentar o assun-
to. Se a proposta ganha outra dimensão, a
de reflexão, por exemplo, demanda uma
profunda análise desse tema tão controver-
so e apreciado pelos defensores dos Direitos
Humanos em todo o mundo. Em último as-
pecto, numa abordagem não só jurídica, mas
principalmente social exigida pela realidade
brasileira – que, aliás, pouco difere dos de-
mais países sob o ponto de vista criminal – é
primordial assimilar que o crime ou ato deli-
tuoso é inerente aos aspectos social e eco-
nômico, estando muito mais vinculados ao
universo das drogas.
Numa postura própria que defino como “progressismo jurídico”, é relevante avaliar a efi-
cácia da simples fixação de uma escala de idade (como a diminuição dos 18 anos para 16
anos no tocante à imputabilidade penal). Isolada, tal decisão nada mais representa uma
ficção etária perdida na nebulosa condição do entendimento e discernimento que requer
cada agente delituoso.
Partindo-se do princípio simplesmente etário, transfere-se uma inócua sensação de se-
gurança, útil apenas à perpetuação da criminalidade. Trata-se de um fato: os autores me-
diatos e os próprios delinquentes lançarão mão daqueles com 15 anos ou menos para a
prática criminosa. O discurso de que os pobres serão os maiores prejudicados esbarra na
formalização segura de uma política de repressão. Tropeça ainda na resposta do Estado
ao caos em que chegamos diante da impunidade e do perigo social relacionado a crimes
cometidos por menores.
Não tenho a menor dúvida de que o critério utilizado nos Estados Unidos seria o ideal
para o nosso país. Por lá, a idade para a maioridade penal varia de estado para estado. Na
maior parte deles, não há idade fixa, e o juiz decide, de acordo com o caso concreto, se
o jovem será julgado como adulto. Mas, em alguns lugares, como Califórnia, Arkansas e
Wyoming, a idade de imputabilidade penal está fixada em 21 anos.
Já na Inglaterra, diante de alguém com 10 anos ou mais, o juiz já decide a pena. Nesse
caso, considera a gravidade do crime, podendo o acusado ser julgado e condenado como
adulto. A pena, entretanto, é cumprida em instituições especiais.
O critério biopsicológico, concluo, é capaz de aferir as reais condições de cada agente de-
lituoso, vez que existem menores de 16 anos de periculosidade criminal superior a qual-
quer idade biológica. Só um juiz, amparado em avaliações de especialistas como psiquia-
tras e sociólogos, poderá imputar a pena de acordo com o discernimento do agente.
Assim, as demais propostas nada visam a não ser a mesmice. Continuam a promover a
criminalidade absurda que já atingimos e vivenciamos em cada esquina, onde, perplexos,
não sabemos a quem recorrer.
Para terminar – buscando um olhar menos jurista e mais jornalista, diria que estamos
todos expostos à condição de vítimas de crimes em geral. Na impossibilidade de conter
a violência, nossa alternativa quase passou a ser “reclamar para o Bispo”. Por sinal, no
caso do Rio de Janeiro, nem isso é possível! Lá, até o arcebispo da cidade maravilhosa,
Dom Orani Tempesta, já foi assaltado duas vezes. Pasmados, chegamos ao ponto de nem
ao bispo poder reclamar, até para não incomodá-lo... e não amedrontá-lo. Pobre Brasil.
Não por acaso, a cena remete àquela velha música do Chico Buarque, O meu guri “....de
lá para cá nada mudou, só piorou”.
Fernando Rizzolo, advogado e membro
efetivo da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/SP