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caremos comprovar isso perante os jurados. É por isso que, muitas vezes quando a im-
prensa nos procura antes da realização de um júri, o que sempre digo é que foi oferecida
a denúncia e que o resultado nós teremos somente ao final do processo.
Quais características o senhor considera importantes para a atuação do promotor de
Justiça no Tribunal do Júri?
A primeira característica que considero fundamental, não só para o promotor de Justiça,
mas também para o juiz e o advogado que atuam nos julgamentos, é gostar e respeitar
a instituição do Tribunal do Júri. Porque quem não gosta do Tribunal, a tendência é que
não faça um bom trabalho e isso acaba prejudicando a instituição e diminuindo o valor
do Tribunal do Júri. Outra característica importante é que a pessoa deve conhecer bem o
processo, ter uma boa oratória e até um bom preparo físico, porque muitas vezes um júri
não tem hora para acabar, podendo durar dias, e é preciso ter essa disponibilidade. É ne-
cessário, ainda, estar atento a tudo o que acontece no processo, porque no Júri o promo-
tor de Justiça está muito mais exposto. Temos o plenário, a fase de debates e é diferente
de um processo comum em que você pode se fechar em um gabinete, estudar e fazer
uma peça final. No Tribunal do Júri, o juiz concede a palavra e você tem duas horas para
apresentar tudo o que estudou e, emmuitos casos, é pouco tempo. Por isso é preciso ter
uma grande capacidade de síntese e objetividade para transmitir aos jurados tudo o que
o processo possui. E, emminha avaliação, inclusive por conta dessa exposição, considero
a vaidade o maior pecado para quem trabalha no Júri.
E como o senhor, particularmente, se prepara para um Júri?
A primeira coisa importante é conhecer bem o processo nas linhas e, principalmente,
nas entrelinhas. É preciso conhecer as partes e prestar atenção em tudo o que aconte-
ce no processo. Muitas vezes uma
palavra ou uma frase dita que pas-
sa despercebido ou que não é dita,
pode ser determinante e decisiva
para a causa. Meu preparo é conhe-
cer o processo integralmente e me
convencer daquilo que vou susten-
tar. Enquanto eu não me conven-
ço da tese que vou sustentar, seja
uma acusação ou uma absolvição,
eu não vou ao Júri. Porque eu sou
a primeira pessoa que precisa estar
convencida para depois tentar convencer os outros.
O trabalho no Tribunal do Júri é cercado de muita pressão externa, seja da imprensa,
seja dos familiares da vítima ou do acusado. Como o senhor lida com esse tipo de si-
tuação?
É natural que a família que perde um ente querido queira que aquela pessoa seja julga-
da e condenada. No entanto, muitas vezes essas pessoas também se deixam levar por
informações externas, sejam da própria polícia ou da imprensa, sem conhecer o verda-
deiro teor do processo, e isso faz com que ela venha com a paixão da causa. A partir do
momento em que a gente fala e do que existe nos autos podemos, inclusive, machucar a
família. Isso porque, em algumas situações, eles podem ouvir que, naquele caso específi-
co, a vítima pode ter provocado sua a própria morte. E são vários os casos em que aquela
família não aceita que o réu agiu em legítima defesa, por exemplo, e temos que demons-
trar aos familiares que o seu ente querido, ainda que falecido, vítima de um homicídio, foi
o agente provocador daquela morte.
Falando para os promotores de Justiça que têm vontade de atuar no Tribunal, com a
sua experiência, quais os conselhos daria?
Conheça bem o processo. A dificuldade de alguns colegas, sejam advogados ou promo-
tores, é contar a história que está no processo para os jurados. É como fazer a leitura de
um livro e saber contar essa história para outro. Se a pessoa consegue fazer isso, vai fazer
um bom júri. Muitos perdem tempo com retóricas e teses jurídicas, mas em um Júri o lei-
go quer julgar o fato, saber se aquela pessoa é culpada ou não e você tem que dizer se os
fatos que aquela pessoa cometeu efetivamente são dignos de uma repressão ou não. En-
tão meu conselho é, conte a história, e deixe que o jurado conclua, ele vai saber diferen-
ciar entre o que é justo e o que não é. Eu sempre falo para os jurados, todos nós sabemos
a diferença entre o certo e o errado, então se você transmitir a ele que aquela conduta
está certa, ele absolve, se estiver errada, o que nos resta, é a condenação. Meu conselho
então é, relate os fatos, da maneira mais simples e objetiva possível, sem floreios.
Com mais de mil júris na bagagem, o senhor citaria algum como de maior destaque?
Para mim um grande júri é aquele em que julgamos o caso do José que matou a Maria, por
exemplo. Ou seja, independente da repercussão do caso, trato todos os júris igualmente,
não consigo destacar entre os mais de mil casos quais foram os mais importantes. Todos
foram muito importantes e cada um teve sua história, que me marcou com a emoção e
também com a dor.
MIL JÚRIS