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ARTIGO
Era uma vez uma senhorita
chamada compliance
Por Thaís Kurita, advogada
U
ma mulher, já de idade madura, mas cuja
aparência teimava em se atrasar, dando-lhe
sempre um ar de novidade, veio parar, sabe-
-se lá como, em terras brasileiras...
Ela falava uma língua estranha, que poucos enten-
diam. Entre os que a compreendiam, uns eram bons;
outros, nem tão bons nem tão maus, a usavam em
seu próprio benefício, para se verem acompanhados
de moça decente e de aparência justa.
De uma inocência excepcional, seu nome era com-
pliance. Tudo, na opinião de compliance, deveria ser
naturalmente bom. Na verdade, Compliance não ti-
nha muita opinião, logo, tudo o que compliance via
lhe aparentava ser verdadeiro e bom.
Um mistério envolvia a origem de compliance e a
própria imagem dela era quase uma incógnita.
Procurando refúgio, foi acolhida por uma senhora ex-
periente, proprietária de uma casa conhecida como
“casa de tolerância”, na qual homens endinheirados
eram muito bem-vindos e recebiam prazer de mu-
lheres que pediam em troca presentes e pagamen-
tos em espécie.
Pelo que diziam por lá onde a encontraram, com-
pliance vinha de uma família conturbada e, talvez
por isso, tinha bastante apego às regras e às confor-
midades.
Soube-se, de alguma forma, que Compliance era vir-
gem. A dona da casa, todavia, afeiçoou-se dela e de-
cidiu que não a colocaria junto com as demais; com-
pliance a auxiliaria a administrar o negócio.
Assim foi feito e compliance deu início ao seu trabalho, tendo criado políticas próprias
que julgava necessárias ao bom andamento da casa. Contudo, começou a perceber que
algumas das “meninas” recebiam o pagamento em dinheiro e provavelmente estavam
omitindo o fato de prestarem serviços extras sem declarar à casa. Decidiu, assim, que
instalaria máquinas de cartão de crédito e débito. Não aceitaria mais dinheiro. Feliz, acre-
ditou que tinha resolvido o problema sem ter que se envolver em questões pessoais da
equipe.
Havia um porém: todos os clientes só aceitavam pagar em dinheiro. Ela não conseguia
entender o motivo, mas viu que as máquinas de cartão, que pensava ser a solução, eram,
na verdade, uma barreira.
Teve outra ideia: implantou um procedimento em que todos deveriam se dirigir às salas
de serviço com roupas cedidas pelo estabelecimento, tendo colocado um vigia para asse-
gurar que isso funcionaria.
Bem, o vigia logo apareceu com um novo relógio, lindo, caro que só. Estranho, mas foi só
o que Compliance achou: estranho e bonito.
O vigia passou a vir trabalhar de carro, roupas bonitas e sapatos que pareciam caros. Uma
colega de Compliance lhe alertou sobre o fato e ela então se deparou com outro proble-
ma: o vigia estava recebendo gratificações e sendo leniente em sua vigilância.
compliance seguiu abatida. A dona da casa já não lhe dava muito ouvidos, suas colegas
de trabalho simplesmente a ignoravam. Compliance já não era novidade e nem tão mis-
teriosa assim.
Em pouco tempo, compliance entendeu um pouco a sua desilusão: ninguém desgostava
dela, apenas não tinham em si, a crença, a fé de que ela queria e faria a diferença.
De cabeça baixa, errante e sem rumo, novamente foi acolhida, desta vez, por um grupo
de pessoas que acreditavam nela, que queriam absorver toda a sua sabedoria. Complian-
ce seguiu feliz: ainda havia espaço para ela. Em alguns lugares, ela seria apenas uma vir-
gem, em outro, ela seria a peça que faltava.