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Avanços
O ECA é um marco para a infância porque estabeleceu a criança e o
adolescente como sujeitos de direitos e previu claramente as atribuições do Es-
tado, da família e da sociedade como garantia para que esse segmento populacional alcance seus
direitos plenamente. Além disso, é extensivo a todos, sem distinção de qualquer natureza, ou seja,
meninos e meninas de diferentes etnias, condições sociais e de desenvolvimento e origem devem
ser contemplados pela proteção integral.
O ECA também foi importante para a criação de instituições oriundas de movimentos democrá-
ticos, como os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares, compostos por representantes da so-
ciedade civil que, junto com o Estado, passaram a estabelecer as políticas básicas e especiais para
a infância e a juventude.
Desafios
É importante que consigamos ampliar o cumprimento da primeira parte do ECA, que trata da
formulação e implementação de políticas públicas para crianças e adolescentes, seja as de ordem
geral ou mesmo as específicas, para que ocorra a redução de casos de envolvimento com a práti-
ca de atos infracionais, por exemplo. Isso resultaria, consequentemente, na menor aplicação da
segunda parte do Estatuto, que trata do controle de atos infracionais praticados por adolescentes.
Tal situação é esperada, inclusive, em função dos custos para a sociedade: um adolescente inter-
nado, cumprindo medida socioeducativa, custa aos cofres públicos entre R$ 9 e R$ 14 mil por ano,
enquanto que, se inserido no sistema de ensino, o custo é de R$ 4 mil pelo mesmo período. Após 30
anos, vemos que o Estatuto está em harmonia com a Constituição e inovou ao assegurar diversos
direitos. Entretanto, União, Estados e Municípios não têm conseguido implementar as políticas
públicas necessárias para assegurar o que está contido na lei.W
Avanços
A partir do ECA, os integrantes da população infantojuvenil passaram a
ser reconhecidos como sujeitos de direitos e não mais como meros objetos de
intervenção da família ou da sociedade. Houve também a alteração da política
de atendimento, antes traçada por um órgão federal – a então existente Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) – para todos os municípios da mesma ma-
neira. Hoje, cada município deve fazer o seu diagnóstico e, a partir dele, formular uma política adequada por
deliberação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, que é composto paritariamente entre repre-
sentantes do poder público e das entidades da sociedade civil que atuam diretamente no atendimento ou defesa
dos direitos da criança e do adolescente. E há o reconhecimento pelos tribunais superiores de que a política
formulada pelos Conselhos vincula o administrador, que é obrigado, prioritariamente, a canalizar os recursos
necessários para a implementação dos programas e ações definidos por essas instâncias.
O Estatuto também conferiu papel fundamental à Justiça da Infância e da Juventude, nas situações em que
o administrador público não cumpre seu dever – institucional e indelegável – na implementação dos direitos
previstos tanto no Estatuto como na Constituição Federal. Estas são as duas pilastras fundamentais do ECA: a
indicação dos direitos humanos fundamentais da população infantojuvenil e a intervenção, quando necessária,
da Justiça da Infância e da Juventude, acionada principalmente pelo Ministério Público.
Desafios
A revolução no atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes possibilitada pelo ECA ainda não ocor-
reu na proporção em que seria possível, sendo o principal desafio o próprio cumprimento da lei. Nesse sentido, o
Ministério Público tem responsabilidade diferenciada, porque é indicado na Constituição Federal e no Estatuto
como quem deve assegurar o exercício desses direitos pela população infantojuvenil, atuando tanto na esfera
administrativa – instaurando inquéritos civis, emitindo recomendações ao Poder Público e realizando termos
de ajustamento de conduta – como ingressando com medidas judiciais quando necessário, especialmente por
meio de ações civis públicas.
A superação desse desafio requer ainda que todos reconheçam e submetam-se ao princípio constitucional que
determina prioridade absoluta para a área da infância e da juventude, que consiste na formulação preferencial
das respectivas políticas e da destinação privilegiada de recursos. Sempre que isso não ocorrer, é dever do Minis-
tério Público propor as medidas necessárias para que as promessas de cidadania contempladas na Constituição
Federal e no ECA possam chegar à vida cotidiana de milhões de crianças e adolescentes que, infelizmente, ainda
hoje encontram-se afastados a participação dos benefícios produzidos pela sociedade.
Michele Rocio Maia Zardo, procuradora de Justiça que
coordena o Caop da Criança e do Adolescente e da Educação
Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador de Justiça que há
décadas é referência na temática, tendo inclusive participado
da redação do Estatuto
AVANÇOS E DESAFIOS