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A
atual (in)transparência na política nacional
impede que se tenha clareza em temas jurí-
dicos consolidados historicamente. A Consti-
tuição Federal não é uma “mera carta de navegação”,
mas o documento jurídico que obriga e vincula toda
a estrutura política institucional e orienta as relações
sociais no país. Os membros dos poderes Executi-
vo, Legislativo e Judiciário devem aplicar as normas
constitucionais em sua plenitude, excluindo-se, des-
sa forma, toda e qualquer possibilidade de decisões
arbitrárias.
Tal visão parte dos processos revolucionários euro-
americanos modernos, que asseguraram a ruptura
com o poder despótico das monarquias absolutistas.
Os pensamentos republicano e democrático são re-
paginados e incorporados pelos Estados, que passam
a eleger seus representantes periodicamente e por
meio de eleições que gradativamente vão universalizando a participação dos cidadãos.
O devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e a segurança jurídica são prin-
cípios constitucionalizados e que devem ser observados como forma de contenção do
poder estatal. Ultrapassar os limites normativos representa uma infração passível de pu-
nição, que inclui o presidente da República nos crimes de responsabilidade.
O mecanismo constitucional garante que nenhum membro do Estado pode agir fora dos
marcos definidos pelo ordenamento jurídico, sob pena de perda do cargo e responsabili-
zação pelas infrações penais. Tal previsão é a reafirmação da República e da democracia.
Contudo, ações que buscam o reconhecimento de infrações devem observar todas as
regras institucionais de controle, pois, do contrário, é possível que a vontade de determi-
nados grupos se sobreponha ao conteúdo constitucional emmomentos de crise política.
É preciso que se tenha clareza dos atores, dos jogos políticos e das normas nacionais vi-
ARTIGO
Impeachment e as regras
do jogo democrático
Por Eduardo Faria Silva
Eduardo Faria Silva, doutor em Direito,
é professor de Direito Constitucional da
Universidade Positivo e coordenador da
pós-graduação em Direitos Humanos
e Desenvolvimento da Universidade
Positivo e Instituto Ambiens.
gentes. Especificamente em relação ao processo de impeachment da presidente da Re-
pública, a Constituição Federal é clara na definição dos crimes de responsabilidade e “tais
crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julga-
mento” (art. 85).
Caracterizadas as condições para abertura do processo de impeachment, o presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve seguir rigorosamente os pro-
cedimentos jurídicos para destituição do chefe do principal cargo do país, sob pena de
afronta, entre outros, ao princípio constitucional do devido processo legal.
No caso das liminares concedidas pelo STF na última semana, cabe destacar que Eduardo
Cunha inovou normativamente ao criar, sem competência, procedimento de tramitação
de processo de impeachment despido de previsão na Lei 1.079/1950 e no Regimento da
Câmara. O fato contraria a Súmula Vinculante 46 do STF, que afirma que “a definição dos
crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e
julgamento são da competência legislativa privativa da União”.
A decisão não deve ser encarada como uma mera técnica jurídica ou um preciosismo do
STF. Ao contrário, deve ser recebida como um ato que garante o correto funcionamento
dos poderes dentro dos marcos constitucionais. A decisão política sobre o impeachment
está garantida, mas dentro das normas jurídicas nacionais. Está-se diante de uma decisão
do STF que garante o jogo político republicano e democrático e que afasta o livre arbítrio
dos déspotas pré-modernos.