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-se à ideia de decisão que deve ser obrigatoriamente observada pelos juízes e tribunais.
Afirma o art. 927, III, do Código de Processo Civil, que “os juízes e os tribunais observa-
rão” (...) “os acórdãos em incidente de assunção de incompetência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos”.
Trata-se de clara suposição de que a decisão proferida em incidente que julga questão de
direito de titularidade de muitos pode a eles ser naturalmente estendida, como se fosse
um precedente obrigatório. O incidente de resolução de demandas repetitivas, ao afastar
os litigantes das ações individuais da discussão da mesma questão de direito (art. 976, I,
CPC), supõe que a decisão dessa questão nada mais é do que um precedente que se apli-
ca aos casos pendentes.
Note-se que o art. 985 traz confissão neste sentido, afirmando não só que a decisão - cha-
mada de “tese jurídica” - “será aplicada” a “todos os processos individuais ou coletivos
que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do
respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo
Estado ou região” como também “aos casos futuros que versem idêntica questão de di-
reito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na
forma do art. 986” (art. 985, I e II, CPC).
É preciso ter claro, no entanto, que um precedente fixa o sentido do direito e, por isso,
naturalmente diz respeito a todos, enquanto uma decisão que resolve questão de direito
que constitui prejudicial à tutela jurisdicional do direito de muitos, além de ter valor en-
quanto resolução de uma específica questão de direito, tem eficácia de coisa julgada em
relação aqueles que têm os seus direitos discutidos. De modo que a decisão do incidente
não pode ser vista como precedente obrigatório ou vinculante.
Mas toda esta confusão é explicável, na medida em que o civil law praticamente desco-
nhece o significado teórico de precedente obrigatório e de coisa julgada em benefício de
terceiros. Esses institutos são típicos ao common law, tendo nascido no direito inglês e
desenvolvido-se significativamente nos Estados Unidos.
No common law ainda hoje é atual, sofisticada e complexa a teorização da relação entre
precedentes obrigatórios ou stare decisis e coisa julgada em benefício de terceiros ou
non-mutual collateral estoppel. A precisa delimitação de um e outro tem se tornado cada
vez mais relevante em face do desenvolvimento do direito.
Ações Legais - O fato de a decisão do incidente ser resolução de questão de muitos traz
algum problema ?
Luiz Guilherme Marinoni
- A decisão do incidente, ao resolver questão prejudicial à tutela
de direitos múltiplos, não pode ser vista como umprecedente obrigatório, mas como uma
decisão que proíbe a relitigação da questão resolvida nas demandas repetitivas, afetando
todos aqueles que estão inseridos na situação conflitiva concreta que lhes deu origem.
A coisa julgada erga omnes formada no incidente depende da participação de um ente
que faça efetivamente ouvir a voz dos litigantes excluídos. Sem a participação de alguém
que efetiva e vigorosamente represente os excluídos, o modelo do incidente de resolu-
ção de demandas carece de constitucionalidade, reclamando interpretação conforme -
que ofereça oportunidade à intervenção de representantes adequados.
A decisão do incidente não pode ser mascarada de precedente para dispensar o direito
de participação na discussão da questão de direito. Ora, quando se decide para muitos é
indispensável conferir a todos o direito de influenciar o Juiz ou de falar perante a Corte,
ainda que por meio de um representante adequado. Aliás, a Suprema Corte dos Estados
Unidos – em Richards v. Jefferson County - foi chamada a analisar decisão que proibiu
membros de um grupo de voltar a discutir questão que já havia sido decidida entre a
mesma parte demandada e outros membros do mesmo grupo. Alegou-se que a decisão
teria se equivocado ao proibir a relitigação da questão, na medida em que as pessoas que
figuraram no primeiro processo não representavam o grupo. A Suprema Corte, depois de
ENTREVISTA