22
23
argumentar que os autores da segunda e da primeira ação poderiam ser descritos como
“strangers” uns aos outros, decidiu que a decisão feriu o precedente firmado em Hans-
berry v. Lee – célebre por ter estabelecido a necessidade da “representação adequada”
para compatibilizar a class action com a garantia constitucional de participação no pro-
cesso. A Suprema Corte disse, claramente, que uma pessoa só pode ser proibida de voltar
a discutir uma questão quando já a discutiu ao menos por intermédio de um representan-
te adequado, sob pena de violação ao due process.
Demodo que o problema do inciden-
te está em afastar os litigantes das
demandas repetitivas sem prever
que alguém deve os defender. Ora,
decide-se questão que lhes pertine
sem com que possam exercer o di-
reito constitucional de influir sobre
o convencimento do Tribunal.
Ações Legais - Tendo em vista esta
inconstitucionalidade, há algo que
pode ser feito pelo intérprete ?
Luiz Guilherme Marinoni
- A doutrina
tem sério e inafastável compromis-
so com os direitos fundamentais.
Assim, obviamente não pode dizer
“amém” a um procedimento que,
sob o pretexto de dar otimização à
resolução das demandas, viola clara-
mente o direito fundamental de ser
ouvido e de influenciar o juiz.
Se no Estado Democrático de Direi-
to a participação é indispensável re-
quisito de legitimação do exercício
do poder, não há como imaginar que
uma decisão possa gerar efeitos em
face de pessoas que não tiveram oportunidade de participar ou não foram adequada-
mente representadas.
Contudo, a invalidade constitucional de um procedimento é resultado extremo, que deve
ser evitado quando se pode corrigi-lo de modo a dar-lhe legitimidade constitucional. Ad-
mitindo-se que o legislador cometeu um equívoco, ou seja, que não quis excluir a possi-
bilidade de participação indireta do litigante, porém apenas se esqueceu de regulá-la, há
como aceitar a possibilidade de a doutrina e os tribunais, mediante interpretação, corri-
girem o desvio do legislador, evitando-se, assim, a simples proclamação da invalidade ou
da inconstitucionalidade do incidente, cuja repercussão sobre o novo sistema processual
civil certamente não seria boa.
Ações Legais - Qual seria o fator positivo do incidente, uma vez corrigido o déficit de parti-
cipação dos litigantes excluídos ?
Luiz Guilherme Marinoni
- Bentham, no início do século XIX, já dizia que há razão para dizer
que um homem não deve perder a sua causa em consequência de uma decisão proferida
em processo de que não foi parte; mas não há qualquer razão para dizer que ele não deve
perder a sua causa em consequência de uma decisão proferida em um processo em que
foi parte simplesmente porque o seu adversário não foi. O recado do eminente jurista
inglês é no sentido de que uma questão que diz respeito a muitos só deve ser rediscutida
quando foi decidida de modo contrário ao litigante que não participou do processo.
O incidente de resolução permite que a questão seja resolvida para todos, independente
do resultado, desde que todos participem, ainda que por meio de representante adequa-
do (legitimado à tutela de direitos individuais homogêneos, em regra). Com isso se evita
a relitigação da mesma questão em demandas que se repetem, eliminando-se os gastos
financeiros e de tempo dos litigantes e da administração justiça. Diante da vedação da
relitigação simplesmente não há possibilidade de decisões diferentes para a mesma ques-
tão, tutelando-se a igualdade e a segurança jurídica.
Ações Legais - Professor, o senhor já escreveu a respeito do tema ?
Luiz Guilherme Marinoni
- A Editora Revista dos Tribunais está preparando o lançamento
de uma grande e espetacular coleção de Comentários ao Código de Processo Civil, em
aproximadamente 15 volumes, sob a minha coordenação. Escrevi alguns volumes desta
Coleção, entre eles – junto com Daniel Mitidiero - o volume que versa sobre o “processo
nos tribunais” (recursos, ação rescisória, incidente de assunção, incidente de resolução
de demandas, etc.)
Também acabo de preparar uma monografia específica sob o título “Incidente de resolu-
ção de Demandas Repetitivas”, em que trato de todas as questões teóricas e práticas que
dizem respeito à novíssima técnica processual. O livro será publicado pela Ed. Revista dos
Tribunais em setembro.
"havendo centenas ou
milhares de demandas
que dependem da solução
de uma mesma questão
de direito, sempre há
possibilidade de decisões
diferentes para casos
iguais"
ENTREVISTA