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ARTIGO
A tributação do ágio
nas sociedades limitadas
Por Flavio Augusto Picchi
A
saga do empreendedor brasileiro
é história conhecida do leitor, ha-
bitual ou esporádico, de um diário
econômico – em especial se tratando de
empreendedorismo tecnológico, que fez
notabilizar o termo startup. Ainda mais
agora, num momento de incertezas sobre
os rumos da economia, e em que atividades
inovadoras e novas iniciativas empresariais
deveriam ser prestigiadas, as notícias só fa-
zem desestimular entrantes no mundo dos
negócios.
Tema pouco abordado, o fomento aos in-
vestimentos em capital de risco costuma es-
tar fora das discussões nos foros governa-
mentais e privados, e notícias, quando há,
são negativas. Recente acórdão da Câmara
Superior de Recursos Fiscais (CSRF), órgão
administrativo máximo de decisão sobre
temas tributários federais, decidiu que, nas
sociedades limitadas, o ágio na subscrição
de quotas não está isento de tributação,
diferentemente do que ocorre nas socieda-
des anônimas.
O precedente parece colocar fim a uma dis-
cussão que se arrastava há anos, e que havia
dado esperanças a contribuintes. Decisão
da instância inferior no mesmo processo,
proferida no Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (CARF), conferia às limitadas os mesmos efeitos de neutralidade
fiscal garantidos às companhias. A questão se torna relevante na medida em que a
praxe de financiamento de startups, em sua esmagadora maioria constituídas como
sociedades limitadas, adota o modelo conhecido como empréstimo ou mútuo con-
versível.
Startups são empresas das quais se espera rápido crescimento no volume de ne-
gócios, e justamente por isso são de uso intensivo de capital. Com fundamento no
valor futuro da empresa, investidores aceitam emprestar recursos numa startup em
troca de futura participação minoritária no seu capital, a ser subscrita no vencimen-
to do mútuo com o emprego da quantia respectiva, devidamente atualizada. No
mais das vezes, existe grande desproporção entre os valores mutuados e a parcela
do capital social de que o investidor se tornará titular.
Em termos mais técnicos, a contribuição do investidor destinada à formação do
capital social é de uma fração do total do investimento realizado, e a diferença apu-
rada deveria constituir reserva de capital, fundamentada na rentabilidade futura da
startup. E é justamente essa diferença, o ágio na subscrição das quotas, que se verá
tributada, caso a empresa em questão adote a forma societária de limitada. Apenas
para esclarecimento, essa modalidade de ágio não é aquela mais-valia verificada em
aquisições do controle de empresas, que sob certas condições pode ser aproveita-
da como despesa dedutível para fins fiscais.
Incertezas sobre o ambiente jurídico foram determinantes para a adoção do mo-
delo de empréstimo conversível entre nós. Em outros países, tal financiamento é
especialmente usado para agilizar a capitalização da startup e diferir a precificação
do investimento para uma futura rodada de financiamento. Entre outros motivos,
no Brasil o risco (trabalhista, previdenciário, consumerista e tributário) associado
ao fato de constar do quadro societário é que justifica o fato de um investidor não
ingressar numa empresa desde o momento em que aporta recursos. É um mecanis-
mo, portanto, de proteção ao patrimônio pessoal do investidor, num ambiente tão
avesso ao empreendedorismo e seus incentivadores.
Agora é possível somar mais um risco às startups que se financiaram com o em-
préstimo conversível: a possível contingência decorrente de autuação pelo fisco
com relação ao ágio na subscrição de quotas, apurado segundo a diferença entre
os valores contribuídos por investidores e os valores que efetivamente ingressaram
contabilmente como capital social. Restará a essas empresas uma solução bastante
onerosa e já conhecida: condicionar a conversão do empréstimo em participação
societária à transformação da limitada em sociedade anônima, com todos os custos