Revista Ações Legais - page 34-35

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ENTREVISTA
Ações Legais - Como tem sido a interpretação do ordenamento preividenciário?
Zélia Pierdoná
- A interpretação do ordenamento previdenciário, a partir de uma visão pa-
trimonial/individualista, a qual, muitas vezes, tem preponderado nos pareceres do Minis-
tério Público e nas decisões judiciais, agravam ainda mais o problema da sustentabilidade
do sistema. Se o Poder Judiciário não permitisse a desaposentação, o trabalhador certa-
mente iria retardar sua aposentadoria para, quando efetivamente parasse de trabalhar,
ter um benefício maior daquele que teria com a antecipação do benefício.
Assim, vê-se que a generosidade em matéria previdenciária, por parte do Legislativo, do
Executivo e do Judiciário só contribuem para que se aplique cada vez mais recursos na
proteção previdenciária, em detrimento de outros direitos, que também merecem aten-
ção da sociedade brasileira, como, por exemplo, a saúde, a qual divide com a previdência
e a assistência social os recursos da seguridade social.
Ações Legais - Podemos traçar um paralelo com outros países que tenham a previdên-
cia no mesmo modelo?
Zélia Pierdoná
- Praticamente nenhum país possui aposentadoria só por tempo de con-
tribuição, a grande maioria alia tempo de contribuição com uma idade mínima. No Brasil,
a aposentadoria só com tempo de contribuição existe apenas no Regime Geral de Previ-
dência Social - administrado pelo INSS (exige 35 anos de contribuição para o homem e
30 para a mulher, reduzido em 5 anos para professores). No Regime Previdenciário dos
Servidores Públicos, desde 1998, exige-se, além do tempo de contribuição exigido no Re-
gime Geral, a idade mínima de 55 para as mulheres e 60 para os homens, reduzida em 5
anos, no caso de professor.
Como no Regime Geral de Previdência Social não existe idade mínima, a legislação infra-
constitucional criou o fator previdenciário, o qual tem por objetivo desestimular aposen-
tadorias precoces. Deve-se registrar que o citado fator apenas desestimula a aposenta-
doria por tempo, quando o trabalhador tem pouca idade, uma vez que reduz o valor do
benefício. Assim, o trabalhador pode se aposentar, independentemente de idade míni-
ma, a mulher com 30 anos de contribuição; e, o homem, com 35; a professora com 25 e
o professor com 30. Porém, nesse caso, o fator previdenciário pode reduzir o valor do
benefício. A formula 85/95, prevista na MP 676/2015, é uma opção para a não incidência
do citado fator.
Portanto, não se pode traçar um paralelo com outros países no que tange à possibilidade
de se aposentar só por tempo de contribuição; mas em relação ao fator, pode-se citar
a Espanha, que recentemente criou o que eles chamam de “fator de sustentabilidade”,
cujo objetivo é estimular a permanência no trabalho. Ressaltando-se que na Espanha há
uma idade mínima para a apo-
sentadoria, sendo que, o fator
lá criado, busca retardar esse
pedido para garantir a susten-
tabilidade do sistema.
Ações Legais - É real a infor-
mação de que 30% do total de
aposentados recebe 70% dos
pagamentos do INSS e os de-
mais aposentados ficam com
apenas a menor fatia?
ZéliaPierdoná
- Agrandemaio-
ria dos benefícios previdenci-
ários no Brasil (em torno de
70%), pagos atualmente pelo
Regime Geral de Previdên-
cia Social (administrado pelo
INSS) equivalem a um salário-
-mínimo. Isso significa que
apenas 30% deles tem valores
superiores, mas deve-se regis-
trar que esses mais elevados
não correspondem apenas à
aposentadoria por tempo de contribuição.
Os benefícios por incapacidade (aposentadoria por invalidez e auxílio-doença), muitas ve-
zes, têm valores superiores, não só às aposentadorias por tempo de contribuição, como
também à própria remuneração do trabalho, em razão da legislação previdenciária. As-
sim, pode-se afirmar que a legislação tem estimulado a busca por esses benefícios, in-
clusive, em algumas situações, por meio de fraudes. Isso porque se o trabalhador ganha
mais do benefício previdenciário do que da remuneração pelo seu trabalho, ele é estimu-
lado pela legislação a buscar o benefício. Infelizmente, qualquer tentativa de mudança da
legislação é vista como perda de direitos. Portanto, o problema na Previdência Social não
se resume ao fator previdenciário: há muitos ajustes que devem ser feitos na legislação
previdenciária brasileira se quisermos ter uma proteção efetiva, tanto para os atuais be-
neficiários, quanto para os futuros.
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