Revista Ações Legais - page 42-43

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ARTIGO
Por Rosana Schwartz
Preconceito e injúria racial
no Brasil contemporâneo
O
Brasil contemporâneo presencia uma
crise política e a rejeição aos modelos
de sociedade, guardiãs de estruturas
políticas ultrapassadas, que não conseguem
proporcionar vida cotidiana digna para todos
os cidadãos.
Durante a década de 70, nas entranhas do
crescimento do Estado Autoritário brasileiro,
a necessidade de mudança para um Estado
Democrático cristalizou a necessidade de organização e ação dos sujeitos/participantes
em movimentos organizados. A centralidade estava na efetivação dos direitos sociais e
na emergência de novos sujeitos – minorias – nas instâncias de poder. Passados os anos
80, 90 até a atualidade, diante do afastamento dessa centralidade pelas facções de es-
querdas e centro-esquerda e decepções com relação às ações realizadas pela política
partidária, ações coletivas alimentaram as esperanças de múltiplos coletivos nas redes
sociais em direção à construção de uma nova sociedade.
Nesse processo, radicalismos despontaram e abriram as portas para posições preconcei-
tuosas, tanto de gênero como de raça e classes sociais. O preconceito racial não é exa-
tamente visível, em decorrência da ambiguidade da sociedade brasileira. A raça aparece
enquanto cor, fundada sobre marcadores fenotípicos (textura dos cabelos, cor da pele,
formato do nariz e lábios) e culturais e sociais (empoderamento econômico, colocação
no mercado de trabalho e em funções de poder de decisão). O preconceito ligado ao
período colonial escravagista permanece através da simbologia das cores (claro/bom, es-
curo/ruim), adensado pelas teorias racistas do século XIX e de classe, deixando marcas
socioculturais conservadoras que necessitam de desconstrução.
Estudiosos do Brasil revelamque comportamentos conservadores se manifestam expres-
sivamente muito mais nas camadas altas e médias remanescentes da classe senhorial do
que nas classes baixas. A discriminação de gênero, raça e classe é um mecanismo de pri-
vilégio de classe. Em uma sociedade que se organiza de forma desigual qualquer precon-
ceito manifesta-se atrelado ao da posição social dos indivíduos no meio social. A Carta
Cidadã em seu art. 5º, inciso XLII versa sobre a prática do racismo como “crime inafiançá-
vel e imprescritível, sujeito à pena de reclusão”. Em seu art. 3º, defende uma sociedade
sem preconceito de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação,
como um dos objetivos fundamentais da República.
Presenciamos cotidianamente nas ruas, nas escolas, no trabalho e nas redes sociais ma-
nifestações de cunho racista ou de injúria racial. Existe diferença entre racismo e a injúria
racial que é crime de ação penal.
INJÚRIA RACIAL
RACISMO
Prescritível
Imprescritível
Afiançável
Inafiançável
Atinge determinada(s) pessoa(s)
Atinge um nº indeterminado de pessoas
Ação penal pública condicionada à
representação
Ação penal pública Incondicionada
Penas mais brandas
Penas superiores
Lesão da honra subjetiva da vítima.
Lesão do Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana
O Estado brasileiro comprometeu-se com os movimentos sociais em sua Constituição e a
adotar, oficialmente, as proposições das Conferências da Organização das Nações Unidas
(ONU), como a Declaração de Durban, que pretende eliminar o racismo, preconceito e
discriminação de qualquer ordem e Conferências sobre a Mulher.
O combate é responsabilidade primordial do Estado por meio de políticas de ação afir-
mativa para grupos vulneráveis e punições para os preconceituosos e também de todo
cidadão. Medidas que se encontram diretamente vinculadas à luta pela prevalência do
princípio da não discriminação.
Com base nos avanços históricos dos movimentos sociais e do Estado Brasileiro, expres-
sos na Constituição de 1988, necessitamos problematizar os retrocessos em que o país
está vivendo. Precisamos adensar as fileiras dos grupos-coletivos que lutam contra pre-
conceito de raça/etnia, gênero, idade, deficiência física e mental entre outros. Não deve-
mos aceitar alarmantes injúrias e preconceitos raciais praticados tanto nas redes sociais
como em qualquer lugar. Vamos lutar todos os dias para eliminar essas práticas no Brasil.
Vamos caminhar na direção de um país e mundo mais tolerante que respeite os Direitos
Humanos.
Rosana Schwartz, professora
de sociologia da Universidade
Presbiteriana Mackenzie
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