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ESPAÇO DAS LETRAS
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A existência de Deus comprovada por um
filósofo ateu
Dany-Robert Dufour, t radução de Clóvis
Marques, Editora Civilização Brasileira, 336 páginas,
R$ 72,90
Para os que pensaram que o filósofo Dany-Robert
Dufour era um ateu que se converteu à crença divi-
na, ele explica logo nas primeiras páginas do livro
que até hoje não sentiu nenhum sinal prenunciador
de uma conversão. Sua intenção com “A existência
de Deus comprovada por um filósofo ateu” é trazer
para o campo da discussão filosófica a forma e o lu-
gar da presença do divino na modernidade e na pós-
-modernidade.
Ao tratar dos muitos nomes, vidas e mortes de Deus ao longo dos tempos, Du-
four defende que a existência Dele na cabeça dos homens é uma necessidade de
estrutura. O filósofo baseia sua argumentação na neotenia humana, teseneoda-
rwiniana que vê o homem como um ser inacabado. Por essa lógica, Dufour afirma
que as instituições que constituem a cultura suprem uma carência nativa e levam
à necessidade de invenção de um par sobrenatural.
O autor discorre também sobre um novo sujeito filosófico que se define por for-
mas antes reservadas a Deus e analisa como o aniquilamento da figura divina gera
consequências políticas, sociais e clínicas para a humanidade. Ele questiona se, eli-
minada a existência do “outro sobrenatural”, o homem não estaria condenado ao
radicalismo, à depressão diante de um mundo menos simbólico, à tentação de se
recriar com o apoio das tecnociências ou até mesmo à sua própria extinção: “Não
se trata mais, para nós, de fixar a história das diferentes tribos antes que elas de-
sapareçam para sempre. Hoje, é a história da estranha tribo humana em seu con-
junto que devemos relatar, antes que seja tarde demais.”, declara.
e presente do conceito de civilização, indicando as razões pelas quais precisamos
reavaliá-lo:
“Só podemos analisar a totalidade da história ocidental com o espírito do presen-
te: conectando valores e acontecimentos, contextualizando ideias que hoje damos
por pacificas, integrando a história cultural, filosófica, social e política, e criticando
com um saudável ceticismo, a herança cultural e a autoridade venerável.”, declara
Osborne.
Civilização, uma nova história do mundo
ocidental
Roger Osborne, tradução de Pedro Jorgensen, Editora
Bertrand Brasil 560 páginas, R$ 79,90
Mais uma vez o mundo relembrou um dos piores aten-
tados terroristas da história. Na época, ao se referir à
tragédia americana do 11 de setembro, o então presi-
dente americano George W. Bush descreveu os ata-
ques como “uma declaração de guerra ao mundo ci-
vilizado”. Quinze anos depois, ainda é comum ouvir
discursos como este, ainda que a própria definição de
civilização seja multifacetada, sobretudo no que se re-
fere ao entendimento de que civilização e civilização
ocidental são conceitos diferentes. Reavaliar estes
termos e suas acepções é o desafio do historiador Roger Osborne no livro “Civiliza-
ção: uma nova história do mundo ocidental”.
Osborne apresenta um profundo estudo da civilização ocidental, baseado no reexa-
me dos acontecimentos e dos legados da história. Uma das principais questões que
confronta é a ideia de que a civilização ocidental está intrinsecamente associada à
liberdade, uma vez que ela já foi responsável por dizimar sociedades ditas primitivas
se utilizando de justificativas morais, religiosas e históricas. Neste contexto, o autor
recorda que a história do mundo do Ocidente é marcada pelo sofrimento, miséria,
injustiça e crueldade e questiona se a guerra, a tortura, a escravidão e o genocídio
estariam incluídos no conceito de civilização.
Conectando diferentes esferas do conhecimento, o autor relembra, por exemplo, a
mudança na visão sobre a 1ª guerra mundial. Se em um primeiro momento prevale-
ceu o pensamento freudiano de que o homem teria voltado à barbárie, logo em se-
guida, uma nova abordagem da psicologia da guerra foi levantada pelos historiado-
res. A “fera interior” humana defendida por Freud perdeu força quando chegaram
à conclusão de que a guerra foi consequência de uma cultura militar europeia deli-
beradamente cultivada no século anterior, após a queda de Napoleão. O confronto,
então, teria sido a resposta automática diante das dificuldades políticas.
Osborne chama atenção também para o fato de muitos aspectos da história ociden-
tal continuarem a ser páginas em branco, já que sociedades e culturas que não ti-
nham língua escrita ficarem fora do nosso alcance e também porque as documenta-
ções antes do século XV eram basicamente limitadas a assuntos oficiais. Explorando
temas como arte, cultura, religião, exércitos e nações, o historiador cruza o passado