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ARTIGO
A incomunicabilidade das
reservas de lucros e de capital
D
esde a promulgação do Código Civil de 2002,
muito se tem discutido acerca do embate entre
o Direito de Família e o Direito Empresarial, em
especial, no que tange à partilha e avaliação de partici-
pações societárias. A celeuma que, a princípio, estaria
resolvida pelas claras disposições do art. 1.027 do Có-
digo Civil - que determina que o cônjuge e o compa-
nheiro não podem exigir desde logo a parte que lhes
couber na quota social, mas concorrer à divisão peri-
ódica dos lucros, até que se liquide a sociedade – não
encontrou boa receptividade nos estudiosos doDireito
de Família e até em parcela do Judiciário, que enten-
dem que o referido dispositivo estaria extraindo direi-
tos patrimoniais do cônjuge e até dando azo a fraudes
patrimoniais, por desvios de bens da sociedade conju-
gal através de sociedades empresárias.
Ademais, com questionável acerto do ponto de vista
legislativo, o novo Código de Processo Civil ainda veio
inovar dentro da interseção entre os Direitos Empresa-
rial ede Família, trazendodisposições dedireitomaterial
acerca das hipóteses e legitimidade para propor disso-
lução parcial de sociedades ao cônjuge e companheiro,
indo de encontro ao regramento do Código Civil.
Ou seja, de um lado, o Código Civil prevê com clare-
za a impossibilidade de o cônjuge exigir desde logo
a sua parte na quota social, enquanto o Código de
Processo Civil, mesmo que não de forma direta, veio
a possibilitar a dissolução parcial com a liquidação da
quota do sócio e apuração dos respectivos haveres
pelo cônjuge e pelo companheiro.
Diante deste embate, como vem sendo usual no
mundo jurídico brasileiro, a situação vem sendo me-
lhor delineada dentro do Judiciário, o qual, com es-
tudos mais aprofundados e longe da má técnica legislativa, trouxe recentemente impor-
tante decisão através do Superior Tribunal de Justiça.
Dentro dos autos de Recurso Especial nº 1.595.775, o STJ proferiu Acórdão que abordou
importante tema no embate jurídico acima citado: a comunicação da valorização das par-
ticipações societárias.
Pois bem, no caso concreto, travou-se discussão acerca da comunicação, para efeitos de
partilha em dissolução de união estável, da valorização de quotas sociais de sociedade
limitada.
Posicionou-se claramente o STJ no sentido de que a valorização patrimonial das quotas
sociais através do crescimento das reservas e de sua capitalização, sendo decorrente de
fenômeno econômico, e não do esforço comum casal, não integra o patrimônio comum
para efeitos de partilha.
Os lucros apurados em determinado exercício, portanto, quando destinados a reservas
contábeis de lucros acumulados ou de reservas legais ou convencionais, não integram o
patrimônio comum do casal, uma vez que são produto exclusivo da sociedade empresarial
e destinados ao reforço de seu patrimônio líquido.
Bem trouxe o STJ ao afirmar que “[...] o lucro não distribuído não deve integrar o acervo
comum do casal, pois pertence à sociedade e não ao sócio [...]”.
Amatéria de fundo que embasa a decisão do STJ é a própria finalidade das reservas e de sua
capitalização, isto é, servir de garantia e reforço do capital social no interesse dos credores.
Quando o lucro não é distribuído aos sócios, não há que se falar em acréscimo patrimonial
a ser partilhado, existindo tão somente um remanejamento contábil inerente e necessário
à atividade empresarial.
Outro ponto de destaque foi o posicionamento com relação à definição do marco tempo-
ral para a avaliação de participações societárias.
Nesta seara, houve a ratificação de posição já consolidada dentro dos Tribunais de que a
separação de fato do casal põe fim ao regime de bens, servindo como marco temporal,
não concorrendo o cônjuge ou companheiro nas variações patrimoniais da sociedade e
das participações societárias após tal fato.
A conclusão que se permite, outrossim, é a de que o Direito Empresarial e sua essência de pro-
teção à empresa e sua perenidade saem novamente fortalecidos dentro do Judiciário, em sua
instância máxima para discussões infraconstitucionais, trazendo segurança jurídica aos investi-
dores noque tange à proteçãodopatrimônioempresarial naocasiãode separaçãoedissolução
de união estável.
Por Shirley Henn, advogada especialista
em Direito Tributário; e Gabriel Strazas
Henkin, advogado especialista em
Direito Societário
Fotos: Divulgação