Revista Ações Legais - page 78-79

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PPI: se a divergência é
natural, a inércia é mortal
ARTIGO
Por Ricardo Inglez de Souza, advogado
especialista em concorrência, comércio
internacional e compliance
A
fastando-se de uma perspectiva maniqueísta,
é possível afirmar que o Programa de Parce-
rias e Investimentos (PPI) do governo federal
é uma iniciativa juridicamente factível e socioecono-
micamente muito desejada. Os diversos projetos pre-
tendidos pelo PPI resultarão em concessões ou outras
modalidades de transferência da gestão de agentes
do governo para o setor privado. Recentemente ficou
confirmado que esse esforço deverá incluir, entre ou-
tros, o aeroporto de Congonhas, Brasília, Guarulhos,
terminais portuários, lotes de transmissão de energia
e até mesmo a loteria.
Criado em2016, o PPI, segundo informações do gover-
no, realizouduas reuniões, asquais resultaramnaquali-
ficação de 89 empreendimentos, dos quais 49 tiveram
leilões realizados ou contratos assinados. Na terceira
reunião foram incluídos novos projetos que, somados,
representarão R$44 bilhões de investimentos.
O PPI, diga-se de passagem, não criou nenhuma mo-
dalidade inovadora de contratação como estado. Pelo
contrário, usando formas já consagradas, organizou
uma agenda institucional que propõe o necessário de-
senvolvimento de projetos, principalmente na área de
infraestrutura.
Há a preocupação, inclusive, com a análise do impacto
regulatório dos projetos e o governo, nesse sentido,
tem se esforçado para coordenar as ações das diver-
sas autoridades, harmonizando marcos legais e políti-
cas de estado e governo.
No entanto, o programa sofre diversas críticas. Muitas delas são frutos da associação entre
criador e criatura. Segundo alguns críticos, se o governante é questionável, toda iniciativa
dele originada estariamaculada. A naturezamaniqueísta desse tipo de oposição acaba geran-
do descrédito por elamesma. De qualquer forma, se a autoridade é competente não deve ser
a popularidade (ou sua falta) que deve afetar a legalidade da iniciativa.
Outra modalidade de crítica é a que sugere outros desenhos legais possíveis para um projeto
qualificado. Embora não se possa afastar a validade dessas opiniões, esse diletantismo pode
ter espaço no ambiente acadêmico, que não tem obrigação de resultar em efetivo e imedia-
to bem-estar social. Porém, para a administração pública, a utópica busca da perfeição pode
implicar uma inércia prejudicial ao desenvolvimento da sociedade e ao bem-estar do cidadão.
A provocação que se faz é a de que haja maior pragmatismo nas discussões jurídicas para o
bem da segurança jurídica e para o desenvolvimento do país.
Grupos sociais e partidários ferrenhos opositores das privatizações dos anos 90, incluíam em
suas teses projetos alternativos, modalidades diferentes, mas igualmente factíveis do ponto
de vista jurídico. Quando chegaram ao poder, estavam tão aprisionados à cobrança da fami-
gerada e utópica perfeição que não foram capazes de implementar projetos fundamentais
para incorporar e modernizar a infraestrutura necessária ao país.
Os projetos de privatização dos anos 90, diga-se de passagem, por mais que se queira ques-
tionar a idoneidade dos governantes da época, inegavelmente fizeram evoluir os serviços
prestados aos cidadãos e atraíram novas tecnologias e investimentos ao nosso mercado. E,
evidentemente, havia uma grande variedade de outras formas juridicamente possíveis para
se formatar a mesma iniciativa de privatização.
O pragmatismo jurídico que se propõe não deve ser confundido com qualquer hipótese de
concessãomoral oumesmo jurídica. Se houver corrupção, desvios de finalidade ou se o proje-
to for flagrantemente ilegal, a sociedade não deve permitir sua sustentação. Porém, aniquilar
a priori a hipótese de evolução social por preciosismos jurídicos não parece o melhor serviço
que o Direito pode proporcionar para a sociedade.
As iniciativas anunciadas pelo governo do município de São Paulo sofrem do mesmo assédio
e, em relação a tais críticas, o mesmo cuidado e os mesmos critérios devem ser observados.
Sugestões de melhoria e mesmo divergências são esperadas e salutares, mas a dose e certos
limites devem ser respeitados. Caso contrário, como defendia Paracelsus, essa postura vira
veneno e gera a inércia que impede o progresso do país.
Foto: Divulgação
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