Revista Ações Legais - page 64-65

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ARTIGO
Sigilo médico de
condenados
Por Ana Paula Souza Cury, especialista
em direito de saúde
O
noticiário com detalhes de prontuários mé-
dicos de condenados pela justiça estimula
reflexão sobre o quanto desejamos e qual a
relevância dessas informações. A onda de indignação
contra a corrupção não pode ser usada como senha de
acessopara exposiçãoda intimidade dos sentenciados.
O fato de sociedades que se autoconsiderammais evo-
luídas romperemesses limites com frequência significa
a constatação de erros e não, como se deseja aparen-
tar, exemplos a serem repetidos. Na América do Norte
e Europa, os responsáveis pelo vazamento e publica-
ção de informações da vida privada têm respondido a
seguidos processos pela violação de condutas profis-
sionais e da legislação. As indenizações são pesadas.
E se continuam fazendo é por conta da relação custo
benefício. Os ganhos coma audiência recompensamas
penas financeiras. E quando ocorre a prisão dos envol-
vidos no vazamento, isso retroalimenta a máquina de
escândalos.
No Brasil não é assim, mesmo que a perícia médica ju-
dicial possa ser usada entre os argumentos de defesa.
No caso da prisão do deputado federal Paulo Maluf
podemos identificar, do lado das fontes, a prática de
crime e de delito administrativo; do lado da imprensa,
descumprimento dos códigos de ética profissional e
dos veículos de comunicação.
Quemdeu acesso à imprensa dos laudosmédicos do ci-
dadão Paulo Maluf praticou crime ao descumprir o de-
ver de guardar segredo por profissão. Esse é um dever
de ofício, que inclui especialmente o sigilo médico. O
dever deofícioocorrequando seestá investidode responsabilidades e, emespecial no serviço
público, ao constatar situações que possam comprometer a si mesmo ou a terceiros. Assim,
é dever de ofício comunicar o fato aos responsáveis hierarquicamente superiores, evitando-
-se a omissão de comunicação. Quando isso ocorre, estamos diante da prevaricação, crime
funcional praticado por funcionário público contra a administração pública. A prevaricação
consiste em retardar, deixar de praticar ou praticar indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo
contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
O responsável sobre essa possível prevaricação cometeu delito administrativo profissional.
Médicos integram rol de profissões que têm o dever de guardar sigilo. O código profissional
é claro: O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento
no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei. Mais: é vedado ao
médico “Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão,
salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Permanece
essa proibição mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha faleci-
do; quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá
perante a autoridade e declarará seu impedimento. Na investigação de suspeita de crime, o
médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”.
O papel dos veículos de comunicação na exposição deMaluf tem caráter ético. As normas de
jornalistas e dos jornais se abrigamnumgrande guarda-chuva chamado interesse público. En-
tretanto, ao se prestar atenção nas vedações podemos avaliar o que foi quebrado. Os meios
de comunicação devem respeitar o direito de cada indivíduo à sua privacidade, salvo quando
esse direito constituir obstáculo à informação de interesse público. E os repórteres têm por
obrigação respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão; e
não pode usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime; e nem
publicar informações de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos,
especialmente em cobertura de crimes e acidentes.
Traduzindo, todos os fatos relacionados à prisão e às condições de saúde do deputado po-
deriam ser noticiados sem desrespeito à lei e à ética profissional. Reportar fatos é a arte de
escolher sentidos adequados em palavras e sentenças sobre o que aconteceu, disse-me uma
vez um veterano do jornalismo.
Portanto, o fato de alguém ser condenado pela justiça não lhe retira a condição de cidadão,
mesmo que nos sintamos desrespeitados como tal por seus atos na vida pública. Aceitar isso
não é retrocesso, mas avanço em nosso frágil contrato social.
Foto: Divulgação
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