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Por Armando Antônio Sobreiro Neto,
procurador de Justiça do Ministério
Público do Estado do Paraná
blica, à propriedade, à honra etc., todos eles elementares para a vida pacífica e que são,
por isso mesmo, protegidos pelo Direito Penal. Significa que os bens mais caros à cidada-
nia, quando violados, sujeitam os responsáveis às penas da lei.
Acontece que o Direito Processual Penal brasileiro criou figuras que podem ser chamadas
de “favor rei” ou “favor do Estado”, concedendo apenas aos autores de crimes certos
tipos de recursos, sem que os demais cidadãos, representados pelo próprio Estado, mas
na figura do acusador estatal (o Ministério Público), possam se valer de idêntica benesse
para tentar reverter decisões desfavoráveis.
O recurso “embargos infringentes” é exemplo de “favor rei”, pois quando uma decisão co-
legiada (nos Tribunais – por exemplo, de três julgadores), contrária ao interesse do réu, não
se der por unanimidade (observe-se que no mais das vezes será número ímpar de julgado-
res), o réu poderá tentar “virar o jogo”, ou seja, se foi condenado oumantida a condenação
por 2 votos a 1, tendo recebido um único voto favorável, poderá levar a decisão a um grupo
maior de julgadores, desta vez normalmente (nos tribunais estaduais) cinco (Câmaras/Tur-
mas integrais), de modo que o objetivo é convencer, agora com cinco julgadores, que os
dois integrantes do colegiado que não participaram do primeiro julgamento acompanhem
o voto “divergente” da condenação, ficando o placar, favorável ao réu, em 5 a 2.
Se a decisão colegiada que absolver o autor de crime não for unânime, como no exemplo, 2
a 1, absolvido ficará, pois os cidadãos, representados na maior parte dos casos pelo Estado-
-Acusação – Ministério Público, não terão idêntica oportunidade e não poderão ver aplica-
do o Direito Penal, instrumento de garantias individuais asseguradas na Constituição.
Essa mesma lógica se aplica a casos outros, como se vê atualmente no Supremo Tribunal
Federal.
Partindo-se da premissa de que todos são iguais perante a lei, trata-se de uma lógica parcial,
indulgente com o crime e com o criminoso, em inegável prejuízo aos cidadãos brasileiros.
Ora, se já se aplica o duplo grau de jurisdição, que a rigor ainda permite recurso a outras
duas instâncias (STJ e STF), sempre partindo-se da premissa de que a decisão por maioria
é tão válida quanto a unânime, no que se sustenta a manutenção desse “favor rei” exclu-
sivo dos acusados de práticas criminosas?
A impunidade é filha da indulgência e do egocentrismo, neta da hipocrisia permissiva, ge-
rada no ventre doente daqueles que “lavam as mãos” quando não atingidos diretamente
pelos violadores das elementares regras de convivência em sociedade.