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Humanidade e alteridade:
para onde caminhamos?
Por Luís Fernando Lopes, filósofo,
teólogo e coordenador do curso de
licenciatura em Filosofia do Centro
Universitário Internacional Uninter
A
ndar pelas calçadas e ser abordado por al-
guém que pede ajuda, esmola, comida, são
fato que têm sido cada vez mais recorrentes
no dia a dia de pequenas e grandes cidades do Brasil
e do mundo. A migração interna e externa por conta
de guerras e regimes políticos expõe, igualmente, a
situação de descaso com a humanidade reproduzida
mundialmente. A busca por melhores condições de
vida e por dignidade leva grandes contingentes po-
pulacionais a se arriscarem por caminhos perigosos
que podem jamais ter volta. Por outro lado, nota-se
a preocupação individual e de nações na proteção de
suas fronteiras para dificultar e mesmo proibir a en-
trada de imigrantes.
Assim, perto e longe de nós ocorrem fatos que ex-
pressam total desprezo e indiferença para com o ser
humano. Ao mesmo tempo que chocam, também
podem levar à banalização do absurdo, do insano, do
desrespeito pelo outro e pela humanidade comparti-
lhada entre os semelhantes. A excessiva concentra-
ção de renda, o individualismo, a egolatria (culto a
si mesmo), a extrema desigualdade, elementos ca-
raterísticos do nosso tempo, podem ser citados para
buscar uma explicação do avanço da indiferença e do
desprezo pelo ser humano, sobretudo, o mais mar-
ginalizado, aquele que não se encaixa nos padrões
considerados “normais” em determinado contexto.
Nesse sentido, tende-se a responsabilizar apenas o
indivíduo pelo seu sucesso ou fracasso total, como
se o contexto e as condições históricas dependes-
sem unicamente do sujeito. Nos discursos e nas atitudes mais comuns do nosso cotidia-
no impõem-se modos de pensar e agir que são considerados “normais” e “naturais”, os
quais consideram o sujeito como um ser de performance, que precisa constantemente de
upgrades, para que não se torne descartável. Crescer como indivíduo, aprender, formar-
-se numa perspectiva integral é sem dúvida uma questão fundamental para o ser huma-
no. Mas qual o sentido e a própria possibilidade dessa formação, se ela for pensada e
realizada exclusivamente no plano individual?
Nessa perspectiva, o filósofo franco-lituano Emmanuel Lévinas afirma que o desenvol-
vimento do mundo humano só é viável se encontrarmos, a todo momento, alguém que
possa ser responsável pelo seu semelhante. Assim, o outro deixa de ser considerado um
adversário que compete, atrapalha ou impede o desenvolvimento da liberdade individu-
al, e se torna condição para o reconhecimento e a valorização da existência do ser huma-
no. Ou seja, somos humanos, na medida em que manifestamos o nosso cuidado pelos
outros seres humanos.
Quando vivenciamos catástrofes, calamidades, guerra, terror, horror, podemos ter como
decorrência tanto o despertar de ações solidárias, como de recrudescimento e medo. No
segundo caso, os mais necessitados, os “sem rosto”, os não reconhecidos acabam esque-
cidos e deixados à margem. O que fazer diante do avanço da intolerância, da arrogância,
do desprezo ao outro? O fato de negar hoje a responsabilidade pelo outro pode ter como
consequência ser o “outro” esquecido de amanhã.