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Inclusão x Colegialidade (?)
N
o dia 1° de agosto, o ministro Luís R. Barroso
reconheceu a legitimidade da Associação Bra-
sileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis
e Transexuais para ingressar com Arguição de Des-
cumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 527)
no Supremo Tribunal Federal. A polêmica jurídica em
torno dessa decisão se dá, basicamente, por duas ra-
zões: a superação do entendimento consolidado do
STF quanto aos legitimados para propor essa ação
e a mudança de entendimento ocorrer por decisão
monocrática.
A Constituição brasileira define um rol taxativo de le-
gitimados para a propositura de ações para controle
de constitucionalidade, dentre os quais estão as enti-
dades de classe de âmbito nacional (art. 103, IX, CF).
Ocorre, porém, que a legislação não especifica os
critérios para determinar quais são essas entidades.
Essa tarefa foi exercida pela jurisprudência do STF,
que entende que apenas entidades representativas
de categorias econômicas ou profissionais são legí-
timas para a propositura dessas ações. A decisão de
Barroso inova porque considera classe, para os fins
do 103, IX, CF/88, também aquelas que atuam na de-
fesa de interesses de grupos vulneráveis e/ou mino-
ritários, superando o entendimento consolidado no
STF.
A inclusão desses grupos em nada altera o rol de le-
gitimados previsto no art. 103 da CF. Apenas dá uma
nova interpretação extensiva e inclusiva ao disposi-
tivo, em consonância com uma leitura democrática
da Constituição. Essa interpretação democratiza o
controle de constitucionalidade, permitindo que gru-
pos minoritários e/ou vulneráveis possam também
Por Adriana Inomata, professora de Direito
Constitucional da Universidade Positivo (UP) e
mestre em Direito
Por Thaís Lunardi, professora de Processo Civil
e Jurisdição Constitucional da Universidade
Positivo (UP) e doutoranda em Direito
provocar o guardião da Constituição a promover a fiscalização da constitucionalidade,
em especial quando há restrição a direitos fundamentais. A questão é interessantíssima
quando analisada sob o aspecto da suposta falta de legitimidade democrática do STF. Ao
admitir que entidades representativas dos anseios da sociedade civil provoquem a atu-
ação do STF para a proteção aos direitos fundamentais, a decisão nada mais faz do que
possibilitar uma maior democratização da atuação da Corte.
A leitura do texto constitucional precisa acompanhar as mudanças da realidade. A Cons-
tituição não é apenas texto, mas também um organismo vivo em constante mutação.
Nesse sentido, a decisão promove uma atualização do texto. Consideramos que essa mu-
dança não é inconstitucional, uma vez que não viola os limites semânticos do texto (ape-
nas alarga seu sentido) e está em plena sintonia com os princípios fundamentais da nossa
República, dentre os quais a dignidade da pessoa humana, a democracia, o pluralismo e
a não discriminação.
Há, porém, um necessário contraponto. Se, de um lado, o entendimento democratiza a
atuação do STF e possibilita a tutela adequada aos direitos fundamentais – que tangen-
cia, neste caso, a imprescindível função contramajoritária do STF –, de outro não se pode
abrir mão da estabilidade e da segurança jurídica, que são, em última análise, o que justi-
ficam um sistema fundado no respeito às decisões consolidadas das Cortes.
Significa dizer que a superação de entendimento consolidado do STF deve ser implemen-
tada com a devida cautela, que passa, inevitavelmente, pelo respeito à colegialidade.
A Constituição não é apenas texto,
mas também um organismo vivo
em constante mutação.