Revista Ações Legais - page 112-113

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Por Paulo Sergio Markowicz de Lima,
promotor de Justiça
defesa com plenitude, também, até o julgamento. Todas as instâncias judiciárias do país
decidiram por quais crimes ele deveria ser julgado, bem como se cabia a um juiz togado
ou à sociedade sentenciá-lo.
Como um dos promotores do caso, trabalhando há muitos anos especificamente com o
Tribunal do Júri, estudando-o e fazendo plenários, muitas vezes me perguntaram: a gran-
de cobertura da mídia influencia a decisão final do Conselho de Sentença? Respondo que
não, e justifico. Não há dúvida de que os jurados chegam com informações prévias sobre
o caso, com uma opinião inicial. No entanto, cientes da grande responsabilidade de suas
decisões, formam a convicção final somente depois da produção da prova em plenário,
após ouvir o réu e as sustentações orais da Promotoria de Justiça e da defesa. Isso valeria
para todos os jurados? Diria que para boa parte deles. Cabe a lembrança de que as deci-
sões do júri sempre são tomadas por maioria. Em pesquisa realizada pelo Ministério Pú-
blico do Paraná, em 2014, com mais de 800 jurados, em comarcas de todo o Paraná, com
a pretensão de se obter um perfil dos jurados, 70% deles responderam que a cobertura
intensa da mídia sobre o crime não interfere no veredito. A propósito, a mesma pesquisa
apontou que mais de 87% dos entrevistados consideram que o júri deve julgar os homicí-
dios praticados no trânsito com dolo eventual.
Voltando à pergunta inicial, confirmada a decisão pelos tribunais, o caso fará parte do
acervo da jurisprudência referente a homicídios no trânsito com dolo eventual e servirá
como destacado referencial. Mas, não é só isso. O júri e a mídia contribuíram sobrema-
neira para que houvesse uma conscientização da população de que bebida e direção só
levam a tragédias. Produzem perdas imensas àqueles que são acusados de praticar o cri-
me. Carli Filho, por exemplo, à época do crime, surgia como uma nova liderança política
no Paraná. O fato estancou abruptamente sua carreira. Dois jovens, com futuros promis-
sores, perderam suas vidas e tiveram suas famílias destroçadas. Mas belas flores também
brotam nos escuros pântanos, pois a mãe de uma das vítimas criou uma ONG voltada à
conscientização de infratores de trânsito.
A sociedade deve sempre decidir a reprimenda a ser aplicada em casos de álcool + dire-
ção que resultem emmortes, como ocorreu no caso Carli Filho. Tratando-se de homicídio
praticado no trânsito, com dolo eventual, todos somos potenciais vítimas, seja como pe-
destres, seja como motoristas. Nada mais justo que a própria sociedade decida a respeito
desses crimes.
ARTIGO
Os legados do julgamento
de Carli Filho
Q
uase nove anos após o fato, a sociedade de
Curitiba deu seu veredito sobre o caso Carli
Filho, no qual o ex-deputado foi condenado
pela morte de dois jovens em maio de 2009, em via
pública da capital. Os jurados decidiram que não se
tratava de mais um crime culposo de trânsito, mas,
sim, de um homicídio com a maldita combinação
álcool + direção, praticado com dolo eventual, no
qual o autor não quer causar a morte, mas age de tal
modo irresponsável, e com menosprezo à vida hu-
mana, que assume o risco de matar.
Essa condenação representaria um marco na justi-
ça brasileira? Antes da resposta, são oportunas al-
gumas considerações. Muitos indagam por que de-
morou tanto a realização do júri. Não há dúvida de
que as inúmeras medidas judiciais da defesa do réu,
formuladas até o Supremo Tribunal Federal, contri-
buíram para que o julgamento não ocorresse em
data próxima ao fato. O Ministério Público também
recorreu para que o exame de sangue do acusado
fosse admitido como prova, e o homicídio fosse con-
siderado qualificado, com pena mínima prevista de
12 anos, pretensões que foram negadas. Recorrer é
um direito previsto em lei. O abuso deste direito é
que deve ser recriminado pelos tribunais, sendo que
julgá-los o mais rápido possível é a principal medida
para coibir esse abuso.
Entretanto, o número expressivo de recursos repre-
sentou, na verdade, uma legitimação ainda maior
da decisão dos jurados, pois o acusado exerceu sua
1...,92-93,94-95,96-97,98-99,100-101,102-103,104-105,106-107,108-109,110-111 114-115,116-117,118-119,120-121,122-123,124-125,126-127,
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