Revista Ações Legais - page 72-73

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ARTIGO
Por que a utilização do relatório
final do Cenipa é fundamental
nos processos judiciais?
Por Sergio Roberto Alonso e Rita De Cássia B.L.Vivas
A
 Lei nº 12.970, de 08 de maio de 2014, proíbe ex-
pressamente em seus artigos 88 - H e 88 - I § 2º,
a utilização do Relatório Final editado pelo Cen-
tro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáu-
ticos (Cenipa), em processos judiciais decorrentes de
acidentes aeronáuticos.
Esta proibição é inconstitucional, e viola o art. 5º, incisos
XXXV e LV da Constituição Federal, pois na prática res-
tringe o acesso das partes ao Judiciário, além de violar
o princípio constitucional da ampla defesa.
Diante da alta complexidade da aviação e dos acidentes
aeronáuticos, onde vários fatores estão envolvidos (erro humano, violação de normas, infra-
estrutura aeronáutica, erro de projeto, defeito de construção, etc.), somente um laudo feito
por especialistas e com a qualidade técnica dos elaborados pelo Cenipa (observe-se a exce-
lência dos relatórios finais do Acidente da GOL-907 e da TAM-354) poderão constituir prova
suficiente para que as partes demonstrem a ocorrência de  dolo ou culpa grave como causa
do sinistro, assim possibilitando as mesmas pleitearem indenizações ilimitadas. 
A lei em comento, além de inconstitucional, é uma quimera jurídica, pois proíbe a utilização
do laudo feito por expert e com excelência, ignorando a diversidade e desigualdade dos 27
Estados da Federação e mais de 5000 municípios ao remeter à policia civil, que não dispõe na
maioria das vezes de meios sequer para realização de uma perícia de trânsito, a realização de
uma perícia de acidente aéreo, onde toda a documentação, estudos e análises só são possí-
veis se feitos por quem entende de aviação e de aviões.
O Relatório Final do Cenipa disseca e mapeia as causas do acidente, como uma tomografia
computadorizada, e sua proibição nas causas judiciais, equivale proibir o juiz de utilizar-se do
laudo necroscópico, para determinar a causa mortis, determinando que o faça através de um
laudo elaborado por um auxiliar de enfermagem.
Esta lei também contraria o princípio do livre convencimento do juiz, pois este não poderá
utilizar-se do laudo para proferir a sentença, embora sabido que a função da prova pericial é
tão somente a de emprestar ao processo relato técnico relevante.
Ademais, a Lei Processual Civil já determina, com veemência, que o juiz analisará livremente
a prova de acordo com os elementos dos autos - art. 436 do Código de Processo Civil. Desse
modo, a utilização do Relatório do Cenipa nas causas de acidente aéreo, visa apenas conferir
ao juízo análise que o permita valorar o resultado da perícia. Nada mais!
O uso o Relatório do Cenipa não representa intromissão na hermenêutica dos autos, até
mesmo porque ao perito não é dado imiscuir-se em questões jurídicas, estando limitado à
análise técnica.
Esta lei é um retrocesso no nosso sistema jurídico, e na evolução do Direito Aeronáutico e,
ainda, contraria a iterativa e pacífica jurisprudência dos nossos tribunais.
Todas as decisões que modernizaram o direito aeronáutico, em favor dos usuários do trans-
porte aéreo, utilizaram-se do Relatório Final para comprovar a culpa grave das empresas aé-
reas, condenando-as ao pagamento de indenizações ilimitadas as vítimas e/ou parentes de
acidentes aeronáuticos.
Entre outras são emblemáticas as decisões proferidas nos processos deMaria Cocato X VASP,
ainda sob a égide do Código Brasileiro do Ar de 1966, no qual a 7ª Câmara do Primeiro Tribunal
de Alçada Civil de São Paulo, utilizando-se do Relatório Final editado pelo Cenipa, equiparou a
Culpa Grave ao Dolo para determinar o pagamento de indenização ilimitada, de acordo com
a lei civil para a mãe da vítima (acidente ocorrido no Ceará - Serra de Pacatuba em 1982). O
outro processo é o de Amizue Bezerra da Motta contra a Varig, que em sede de Recurso Es-
pecial firmou tese de que ocorrido o acidente aéreo no exterior, não flui o lapso prescricional
enquanto se apuramas causas do acidente, de cujo conhecimento pelos interessados depen-
de o ajuizamento da ação (acidente ocorrido em 1987 na Costa do Marfim). Isso, por si só,
demonstra a relevância da utilização do Relatório Final do Cenipa em juízo.
OEgrégio Supremo Tribunal Federal emumde seus julgados firmou a tese de que, oRelatório
Final do Cenipa equipara-se às decisões do Tribunal Marítimo, para estabelecer as causas de
acidente aeronáutico, tendo a presunção de verdade.
Portanto, a lei supra referida além de ser inconstitucional, feriu corações e mentes de paren-
tes de vítimas de acidente aéreo, que normalmente sofrem de impacto tardio em sua saúde
mental (tese de Doutorado da Dr.ª Maria da Conceição Pereira Sougey, psicóloga especializa-
da em aviação e pertencente aos quadros do Cenipa), e que com esta lei terão dificuldades
de obter resposta à pergunta que as angustia, por que deixaramque isso pudesse acontecer?
Sergio Roberto Alonso, advogado
especialista em Direito Aeronáutico,
e Rita De Cássia B.L.Vivas, advogada
especialista em Direito Processual Civil
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