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ARTIGO
A favor do Estado
Democrático de Direito
A
atual conjuntura política e econômica do país
exige atenção. Os poderes da República dia-
logam a custos altos. A regra da democracia
representativa moderna passou a ser a desconfiança
e não a confiança. É nesse cenário que, a pretexto de
resolver o problema do mau funcionamento da coisa
pública, apresentam-se soluções equivocadas.
Após o parecer do TCU pela rejeição das contas da
presidente Dilma Rousseff referentes a 2014, em seu
mandato anterior, intensificou-se o debate em torno
da (im)possibilidade de impeachment. A questão é:
há essa possibilidade jurídica? Quando se está diante
de um ambiente político conflituoso e confuso, a úni-
ca saída racional deve ser a dada pela Constituição.
O impeachment, instituto constitucionalmente previsto para ser usado diante de crime
de responsabilidade do chefe do Executivo, é medida extrema que deve ser encarada
com o máximo rigor e nos estritos limites lançados pelo constituinte, pois, tendo em vista
que a procedência do impedimento leva à perda do mandato, restará relativizada a pre-
servação da vontade popular.
Para responder à pergunta colocada, há de se verificar a regra prevista na Constituição de
1988. O artigo que disciplina essa questão estabelece, textualmente, que o presidente da
República tão somente pode ser responsabilizado por atos que ocorram na vigência de
seu mandato (art. 86, § 4.º). Ora, se indiscutível que as irregularidades apontadas derivam
do mandato anterior, tem-se que o requisito elementar para a abertura de impeachment
está ausente – o que impossibilita seu processamento durante o mandato atual.
Há quem argumente que, uma vez presente o instituto da reeleição, o mandato subse-
quente seria a continuação do primeiro e, havendo a prática de crime de responsabilida-
de neste, tornar-se-ia possível a responsabilização do mandatário reeleito no seu segun-
do período. Contudo, esse entendimento é incompatível com o sentido da Constituição.
Ana Carolina de Camargo Clève,
mestranda em Ciência Política, é
professora de Direito Constitucional
e Eleitoral do UniBrasil Centro
Universitário.
Mesmo após a inserção do instituto da reeleição
pela Emenda Constitucional 16/97, a parte que
trata dos crimes cometidos pelo presidente da
República não foi modificada. Portanto, ainda
que seja possível exercer por duas vezes conse-
cutivas o mandato presidencial, a Constituição
deixou de considerar essa peculiaridade no to-
cante à responsabilização do presidente da Re-
pública por crime de responsabilidade. A Cons-
tituição – repise-se – estabelece como requisito
para tal responsabilização a necessidade de o crime ter sido praticado na vigência do
mandato. Nesse sentido, muito bem colocou Lenio Streck ao afirmar que, “quando o tex-
to não diz o que queremos, não podemos lhe dar o sentido que queremos. Ao contrário:
se queremos dizer algo sobre um texto, diz Gadamer, deixemos, primeiro, que ele nos
diga alguma coisa”.
Ademais, insofismável que o mandato derivado da reeleição não é, juridicamente, conti-
nuação do primeiro. Para que o presidente concorra à reeleição, deve haver novamente
sua aprovação em convenção partidária, novo registro de candidatura na Justiça Eleito-
ral, submissão a outra eleição e, por óbvio, uma nova posse. Assim, dúvidas não há de que
o mandato subsequente é autônomo e distinto do primeiro.
Destarte, mesmo que – em tese – possa ter havido crime de responsabilidade pela presi-
dente da República no mandato anterior, não há, à luz do sistema constitucional pátrio,
possibilidade de ocorrer a sua responsabilização por fatos alheios ao mandato em curso.
Deixo clara a minha defesa da manutenção da vontade democrática consagrada nas ur-
nas. Se em 2014 o eleitor – no exercício de autêntica accountability política – optou por re-
eleger a atual presidente, o ideal é que a soberania popular seja respeitada. Isso significa
o respeito às regras do jogo, que é o preço a pagar por se viver em um Estado de Direito.
Por Ana Carolina de Camargo Clève
“O impeachment
é medida extrema
que deve ser
encarada com o
máximo rigor”