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Por Larissa Campos Machado e Amanda
Lobão Torres, advogadas
decidissem que ela quis assim proibir.
E de todo modo: em se tratando de campanha, ainda que pré, o que não envolve gastos?
Levada ao limite máximo, para que se tenha uma noção do monstro lógico sustentado
na decisão do TRE-PE, ”pode tudo que não precise de dinheiro”. Ora, se assim realmente
fosse,o futuro candidato acabaria impedido até mesmo de enviar e-mails ao seu eleitorado,
pois sequer internet hoje é gratuita! Uma coisa é exigir-se a regulamentação de tais gastos
em época de pré-campanha, outra muito diferente é proibir a utilização de meio não res-
tringido pela própria lei!
Além disso, outra proibição implícita trazida pela decisão seria a concepção de que as mo-
dalidades de propaganda vedadas durante o período de campanha eleitoral também o se-
riam durante a pré-campanha, daí porquê a suposta ilegalidade na propaganda paga em
rede social. Tal conclusão, porém, não pode prevalecer por três razões:
Primeiramente em virtude da liberdade da propaganda e dos princípios democráticos e re-
publicanos que regem as eleições, tendo nossa Constituição garantido o mais amplo exer-
cício dos direitos políticos e fixado como fundamento da República o pluralismo político,
por meio do acesso de minorias ao poder. De fato, as redes sociais são o que há de mais
democrático nos meios de propaganda ao permitir ampla participação da população. As
restrições precisam ser cautelosas a fim de que não se limite o debate político-eleitoral. A
ampla utilização da internet (vedado o anonimato e respeitados os direitos de terceiros) é
justamente uma forma dos candidatos novos e/ou com poucos recursos e restrito tempo
de rádio e TV conseguirem atingir um número muito maior de eleitores e a eles levarem
suas ideias por um baixo custo.
Ademais, o art. 57-C da Lei das Eleições, inserido no capítulo que trata da propaganda elei-
toral, proíbe a propaganda paga na internet apenas e durante o período de campanha elei-
toral, que se inicia no dia 16 de agosto do ano do pleito. Já o artigo 36-A, ao permitir atos
de pré-campanha “inclusive na internet” e “nas redes sociais” (caput e inc. V), não previu
a aplicação das vedações reservadas à campanha ao período anterior, muito menos fez
qualquer restrição à propaganda paga na rede durante este período. Entender de forma
diferente é decidir além da moldura do texto legal, é desrespeitar a prescrição literal que
servirá para a elaboração do programa da norma.
E por última razão, a lei não prevê quando começa a pré-campanha para fim de aplicação
das chamadas “proibições implícitas”. A partir de quando uma pessoa com a intenção de
se candidatar em pleito futuro não poderia patrocinar postagem em redes sociais? De 03
meses antes das eleições? 06 meses? 01 ano? 02 anos? Ora, o sujeito não pode ficar eterna-
mente proibido de fazê-lo! Justamente por isso é que a legislação eleitoral fixa um período
certo e determinado de campanha eleitoral em que determinados atos não poderão ser
praticados pelos candidatos – e tal vedação deve ser interpretada tal como a lei especifica:
ao período de campanha eleitoral definido em lei!
Dessa forma, a regra que limita a propaganda paga na internet deve se restringir à campa-
nha e não ser aplicada ao que a lei não prevê: ao período de pré-campanha!
Em verdade, e aqui vai o maior de nossos incômodos, preocupa o fato de julgadores acre-
ditarem que revelarão objetivamente um sentido escondido no texto (na vontade da lei
ou do legislador) por meio de um método (no caso, o teleológico) que lhes garantirá com-
preender a finalidade da norma sem qualquer arbitrariedade. Situam-se na hermenêutica
jurídica clássica em que se permite (i) a pretensão de totalidade de apreensão de sentidos
do texto e (ii) a possibilidade de métodos que garantam a objetividade do sentido do texto
atribuído por seu autor.
Se não existe um método dos métodos, qualquer escolha por parte do julgador para esta
suposta revelação do sentido exato do texto legal será arbitrária, autoritária e voluntarista!
Como o foi no caso em análise!
E sinceramente, se formos então falar da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
não determina seu artigo 5º que o juiz atenda, quando da aplicação da lei, os fins sociais a
que ela se dirige e às exigências do bem comum? Poderíamos falar aqui da inexistência de
cisão entre interpretação e aplicação enfrentada brilhantemente por Lenio Streck na nossa
doutrina brasileira (com fulcro no paradigma da fenomenologia hermenêutica e da herme-
nêutica filosófica concluindo pela defesa de umdireito fundamental do cidadão a respostas
adequadas à Constituição coma imbricação entre Hans-Georg Gadamer e Ronald Dworkin).
Mas simplifiquemos: porque o entendimento dos julgadores de que a vontade do legisla-
dor seria a de condicionar a pré-campanha às mesmas restrições ao período de campanha
é melhor do que o entendimento oposto de que sua vontade era não restringir as condutas
em período de pré-campanha para fortalecer a Democracia e aproximar o candidato do
eleitor por um veículo tão comum na sociedade contemporânea? Ora, esse é o risco de se
apelar para a vontade da lei ou do legislador.
Enfim: atos de pré-campanha não são atos de propaganda eleitoral (porque estes são aque-
les em que se pede voto, em época de campanha eleitoral)! A lei não as tratou da mesma
forma e não impôs as proibições de uma à outra. O que impera no sistema é a liberdade
da expressão política e não a insegurança jurídica que se tem visto na justiça eleitoral por
decisões que, como esta, foge da legalidade e da própria moldura do texto supostamente
embebendo-se de uma sedutora ideologia ou um valor superior e possível de ser captado
por um ser magnânimo: o juiz.
Francamente: concentremo-nos na legalidade, inclusive a constitucional, e lembremo-nos de
que o papel primordial da Justiça Eleitoral não é o engessamento da Democracia, mas a ga-
rantia aos cidadãos de participar de sua construção e reformulação sem recair emdesordem.
ARTIGO