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para fins de interrogatório, o que, prima facie, poderia fazer desaparecer qualquer
interesse jurídico sobre a questão.
Porém, como já ressaltado, não se pode descurar que referida norma de natureza
infraconstitucional data de período que antecedeu a Constituição da República, ra-
zão pela qual a análise acerca de sua eventual recepção se faz mister.
Sabe-se que através do mandado respectivo, o investigado (ou acusado) tem sua
liberdade de locomoção cerceada pelo transcurso de tempo suficiente para ser con-
duzido até a Polícia Judiciária ou Ministério Público, para participar de ato de in-
vestigação preliminar em que se considere sua presença fundamental. Entende a
doutrina, sob esse prisma, que tal restrição a liberdade ambulatorial não poderia
ultrapassar o limite de 24 (vinte e quatro) horas.
Destaque-se, por relevante, que a condução coercitiva não se confunde, sob ne-
nhum aspecto, com prisão de natureza cautelar (seja temporária ou preventiva). Ali-
ás, acerca do enfoque das medidas cautelares de natureza processual penal, tem-se
que os arts. 319 e 320, ambos da Lei Penal Adjetiva, não a contemplam em seu rol.
Porém, inevitável concluir, até mesmo pelo seu efeito imediato, que corresponde,
inexoravelmente, a uma medida cautelar de natureza pessoal.
A partir daí, por haver restrição (mesmo que por curto período) a liberdade de loco-
moção, conclui-se que somente a autoridade judiciária é que tem atribuição para a
expedição de mandados correlatos, ex vi do disposto no art. 5º, LXI, da Constituição
Federal (2) e no art. 282, §2º, da lei processual penal (3). Trata-se, assim, de cláusu-
la de reserva de jurisdição. A Suprema Corte, em sentido diverso, tem precedente
isolado, entendendo, sob a ótica do art. 4º do Código de Processo Penal, que a po-
lícia judiciária tem legitimidade para, sob o comando da autoridade policial, adotar
todas as medidas necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução
de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e consti-
tucionais dos conduzidos (4).
Por outro lado, superada a questão atinente a autoridade competente para a expe-
dição do mandado correspondente, com a devida venia a posicionamentos diversos,
forçoso concluir que a melhor exegese do art. 260 do CPP à luz da Constituição da
República é no sentido de que a possibilidade de condução para fins de interrogató-
rio colide com garantias individuais, entre as quais, aquela decorrente do direito ao
silêncio do investigado (art. 5º, LXIII, CF), que tem como consectário lógico o direito
de não produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
Isso não significa, entretanto, que o investigado (ou acusado) não possa ser desti-
ARTIGO
Condução coercitiva e os
aspectos jurídicos
E
m que pese tratar-se de temática absorta
pela legislação processual penal desde a dé-
cada de 40 (especificamente 1942, quando
da entrada em vigor do Código de Processo Pe-
nal), o assunto destacou-se recentemente, por
transparecer prática recorrente no âmbito de
grandes operações policiais.
Desde então, a sua legalidade sob o prisma cons-
titucional e infra fora alvo de inúmeros debates
no mundo jurídico, de tal forma que o Supremo
Tribunal Federal foi destinatário de ações judi-
ciais protocolizadas perante aquele Pretório Ex-
celso, no sentido de que se firmasse entendimen-
to sobre tema de absoluta relevância, qual seja,
a existência ou não de sustentáculo jurídico para
justificar a condução coercitiva de pessoas inves-
tigadas para atos de interrogatório.
A par de qualquer desfecho, imperiosa se faz uma
análise acurada das cercanias que norteiam re-
ferido tema, na realidade jurídica vigente, razão
pela qual se pretende, de forma objetiva, apre-
sentar ao leitor uma visão panorâmica dos dispo-
sitivos legais aplicáveis, em consonância com as
regras constitucionais advindas da Carta Política
de 1988.
Vestibularmente, trata-se de previsão legal con-
tida no bojo do art. 260 do Código de Processo
Penal (1). Verifica-se, assim, que o texto do dispo-
sitivo é explícito no sentido de possibilitar a con-
dição coercitiva, entre outras hipóteses, também
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