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Acima de qualquer lei, é
preciso mudar a cultura de
práticas ilícitas
ARTIGO
Por André Luiz Bonat Cordeiro
E
m meio aos escândalos de cor-
rupção na esfera federal e tam-
bém na estadual, espera-se que
a Lei Anticorrupção (12.846/2013), fi-
nalmente regulamentada este ano
– parte por pressão popular –, seja
devidamente aplicada para que os cul-
pados não saiam ilesos das denúncias.
A história política brasileira demons-
tra os inúmeros e escancarados casos
de corrupção, que são permeados por
um sistema ineficiente de punição e
de tolerância enraizada.
A Lei trouxe uma mudança de pers-
pectiva no combate aos crimes contra
a administração pública. Porém, não
apresentou novidades ou condutas
diferentes das previstas no Código Pe-
nal. Apenas complementou o Direito
Penal e a responsabilidade da pessoa
física pelo Direito Administrativo e a
responsabilização objetiva da pessoa
jurídica, mesmo que o caráter criminal não seja afastado do debate. O objetivo da
regulamentação é punir a empresa que é favorável à atitude ilícita, mas não excluir
a responsabilidade individual de dirigentes ou administradores.
Anteriormente, o empregado que cometesse conduta desonesta responderia por
crime de corrupção ativa, fraude à licitação, entre outros delitos, e a empresa pode-
ria, em tese, responder por improbidade administrativa, se tivesse benefícios com o
ato. Com a nova lei, a companhia poderá ser punida independentemente da efetiva
concordância com a infração.
A medida, que faz parte do pacote anticorrupção do governo federal, imputou à
pessoa jurídica responsabilidades pelo combate à corrupção, por meio de investi-
mentos em programas e ferramentas de compliance, prevendo o treinamento de
funcionário e de diretores. Certamente, esse é um dos diferenciais da norma, pois
o envolvimento de qualquer nível da empresa em caso de corrupção é passível de
multas altas.
As penalidades previstas para as empresas que comprovadamente financiarem, cus-
tearem, patrocinarem ou, de qualquer modo, subvencionarem a prática de atos ilíci-
tos, como o pagamento de subornos a agentes públicos para a obtenção de vanta-
gens, podem variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior
ao Processo Administrativo de Responsabilização (PAR). O valor também pode ser
limitado entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões, caso não seja possível usar o faturamento
bruto para o cálculo da multa.
Além disso, a lei dispõe sobre uma série de mecanismos para a recuperação do pa-
trimônio público, a maioria das penalidades é de caráter punitivo e indenizatório.
Neste aspecto, a Controladoria-Geral da União (CGU) terá papel fundamental para
instaurar, apurar e julgar atos lesivos praticados contra a Administração Pública,
bem como será responsável por examinar a regularidade do processo administrati-
vo. Inclusive, após a publicação do decreto, a CGU reformulou o sistema Pró-ética,
uma espécie de selo concedido às empresas comprometidas com a ética, para se
adequar as especificações da norma.
Outro ponto que trouxe bastante debate ao tema foi a inclusão do acordo de leni-
ência. O acordo tem como característica o reconhecimento da pessoa jurídica na
participação da infração e a colaboração nas investigações, identificando envolvi-
dos, apresentando documentos que comprovem a infração, além de reparar inte-
gralmente o dano causado.
Nesse sentido, muitos especialistas discordam do acordo, pois isentará a empre-
sa da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória, bem como de
proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos
de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas. De certa for-
ma, a anistia pode isentar quem deveria ser punido. Entretanto, vale lembrar que o
acordo já tem previsão na Lei de Defesa da Concorrência (12.529/2011), que estipula