Revista Ações Legais - page 20-21

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ezembro, profissionais de ginecologia e ou-
tras especialidades médicas se viram diante da
nova Lei Federal 13.931/2019 que instituiu a obri-
gatoriedadedenotificaremapolíciaemcasosdeaten-
dimento a mulheres vítimas de violência, no prazo de
24 horas. Prestes a entrar em vigor, a alteração legis-
lativa reflete uma mudança na cultura de tolerância à
violência, diminuindo as brechas para a impunidade
e para o silêncio passivo da sociedade em relação a
esse importante assunto. Contudo, a lei desconside-
ra o desejo da mulher de fazer ou não a notificação,
impõe a quebra do sigilo médico e a ausência de re-
gulação deixa uma lacuna sobre a responsabilidade
da comunicação – se pessoal ou institucional.
Cabe lembrar que a violência contra a mulher englo-
ba não somente a violência sexual e física. Os cinco
tipos previstos na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/
2006) abrangem também a violência psicológica,
violência patrimonial e violência moral. A previsão
de notificação compulsória da violência contra a
mulher abrange todas as idades, violência domésti-
ca ou não, independentemente do tipo ou natureza
da violência.
Teme-se que após entrar em vigor a notificação obri-
gatória deixe a mulher potencialmente exposta a no-
vas ações do agressor sem a efetiva proteção social,
jurídica e de equipamentos público ou ainda a leve a
evitar um serviço de saúde por medo da maior vul-
Desafios legislativos e
práticos para a proteção da
mulher vítima de violência
nerabilidade. Afinal, 76% das vítimas de abuso possuem algum vínculo com o agressor
(dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e 60% dos homens denunciados na Lei
Maria da Penha protagonizam episódios reincidentes de violência doméstica.
De outro modo, nós médicos somos impactados pelos dilemas éticos envolvendo princí-
pios como sigilo, confiança, autonomia, liberdade e a própria garantia de segurança da
mulher. Soma-se a isso, a lacuna de informações sobre quem deve se responsabilizar por
efetivar a notificação (se o próprio médico, o diretor clínico ou a instituição de saúde) e
por qual meio essa comunicação ocorrerá, se por e-mail, carta, boletim ou outro. Vários
detalhes práticos precisam de melhor esclarecimento a fim de salvaguardar os profissio-
nais de saúde tanto de infrações éticas, civis e penais quanto de desobediência a dever
legal, além de proteger seus direitos.
O Código de Ética Médica e também o Código Civil e o Código Penal consideram como
algumas das exceções aceitáveis à obrigatoriedade do sigilo médico a justa causa e o de-
ver legal. Sendo assim, o médico está obrigado e respaldado pela legislação a comunicar
à autoridade pública a ocorrência de violência doméstica. Ainda assim, o dever legal não
o exime do desafio de avaliar com cautela a forma de agir em cada caso concreto e de
acordo com a sua realidade local e as normativas éticas e institucionais, evitando também
prejuízos à integridade da mulher.
Por Maria Celeste Wender, ginecologista
e diretora de Defesa e Valorização
Profissional da FEBRASGO (Federação
Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia) e Lia Cruz
Costa, ginecologista e membro da
Comissão Nacional do TEGO (Título
de Especialista em Ginecologia e
Obstetrícia) da FEBRASGO
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