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ARTIGO
A coisa julgada e a
abrangência de terceiros
beneficiados
E
ntre as mudanças introduzidas pelo Novo Có-
digo de Processo Civil, inserindo o Brasil, en-
quanto Estado Democrático de Direito, no rol
das melhores organizações processuais do mundo,
figura a abrangência de terceiros sob a autoridade da
coisa julgada, secundum eventum litis, algo sempre
repudiado pela maioria da doutrina tradicional, do
Brasil e do orbe. Por óbvio, in utilibus, mantendo-se
a blindagem de terceiros face a sentenças desfavorá-
veis, sem o que restariam destroçados os princípios
constitucionais do devido processo legal.
Dispõe o presente artigo 506 do CPC que A sentença faz coisa julgada às partes entre as
quais é dada, não prejudicando terceiros. Correspondeu ao art. 472 do revogado Código:
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando nem preju-
dicando terceiros. Como se observa da supressão, a autoridade da coisa julgada, a partir
de agora, beneficia terceiros.
A imunização de terceiros sempre foi aceita pela doutrina e pela jurisprudência, quando
a sentença lhes era prejudicial. Nada mais justo. Não se pode submeter alguém a um co-
mando resultante de demanda processada inter alios, detrimentando sua órbita jurídica,
sem garantir-se-lhe o contraditório e ampla defesa. Considerando-se que a maioria dos
códigos tinha a redação de nosso anterior, entretanto, para estender-se a coisa julgada in
utilibus a terceiros, face ao óbice do texto legal, a doutrina e a jurisprudência se vinham
na contingência de recorrer a olímpicas ginásticas intelectuais ( Chiovenda, Carnelutti,
Hellwig, Merkl, Bachhmann, Alfredo Rocco,Redendi, Betti e tantos outros). Observe-se
o desforço de Liebman em sua clássica monografia denominada Eficácia e Autoridade da
Sentença, apresentada entre nós por Cândido Rangel Dinamarco e comentada por Ada
Pellegrini Grinover. O jurista italiano teve de recorrer a uma ficção científica - de um lado,
a autoridade da sentença e, de outro, sua eficácia. A autoridade recaía sobre as partes
e a eficácia poderia ser expandida. Longo e penoso debate que agitou as Academias,
porquanto o direito positivo era unanimemente avesso à redação hoje acolhida pelo No-
víssimo Código de Processo Civil Brasileiro. Nada de errado entre os juristas, apenas sina-
lização dos tempos.
Cresceu a necessidade de um único procedimento judicial reger direitos, interesses e vi-
das múltiplas. Nossos exemplos, não exaustivos, estão nos processos coletivos de defesa
de interesses interindivuais homogêneos, coletivos e difusos, ações civis públicas, ações
populares etc. O bem à coletividade e ao Estado é óbvio, com a superação do conceito
de uma demanda para cada um, causa de pronunciamentos estatais divergentes - o que
provoca perplexidade e descrédito da população no direito, de um lado, e, de outro, o
assoberbamento da Justiça em processos repetitivos.
Nossa orientação predominante, depois de justificadas reações daqueles que prezavam
exageradamente o princípio da livre convicção dos magistrados - imagine-se o mesmo no
campo da medicina - convergiu no sentido de reduzir o altíssimo volume de processos,
mediante as súmulas vinculantes, o sistema de julgamento dos recursos repetitivos, o po-
der monocrático, justificado, na seara das instituições colegiadas, e o instituto da reper-
cussão geral para que determinado tema seja examinado pelo Excelso Supremo Tribunal
Federal.
Porém, não convêm precipitações. Ao terceiro, para beneficiar-se da coisa julgada firma-
da em processo do qual não participou, não basta alegar que as situações são idênticas
(não meramente semelhantes ou vinculadas por analogia). Deve demonstrar, sob todos
os aspectos, preliminares e de mérito, que merece ter seu conflito de interesses resolvido
por osmose jurisdicional. Se o vencido ou seu adverso sustentar que o temário é outro,
não há como obrigá-lo; é necessário que o terceiro recorra ao judiciário, reclamando pela
aplicação do disposto no art. 506. O caminho recebeu um excelente atalho, útil aos via-
jantes e à estrada congestionada. Mas, é necessário o percurso. Isso porque o terceiro
deve demonstrar, e o juiz responder afirmativamente, que se trata de processo válido,
sob o ângulo dos pressupostos processuais, e prosperável sob a ótica das condições da
ação, preliminarmente. No mérito, as nuances dos processos não poderão ser diferentes.
A vantagem, de valor incomensurável e compatível com as necessidades contemporâne-
as, está em que o terceiro, expostos os fatos, não está obrigado a demonstrar o direito.
Basta-lhe invocar o precedente, que considera aplicável. E o magistrado idem, é dispen-
sado da fundamentação aberta, podendo restringir-se à verificação da identidade dos
casos. Basta-lhe, feitas as precitadas certificações, materializar a energia da coisa julgada.
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