Revista Ações Legais - page 14-15

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verdadeiro marco não apenas da disciplina jurídica das relações de família, mas, sobretu-
do, no exercício efetivo do papel do Poder Legislativo, que, historicamente, em matéria
de família, costuma ser extremamente deficitário em nosso país”, avalia.
Filha que já veio pronta
A jornalista Bia e o assessor jurídico Vicente Moraes, casados há 26 anos, são pais de qua-
tro filhos. A mais velha, Gizah Santos, é filha biológica de outro pai, mas, desde pequena,
reconhece Vicente como pai. Conheça os detalhes desta história.
Bia – Começamos a namorar no final de 1988. Eu já tinha uma filha de quatro anos, de
outro relacionamento. O namoro evoluiu. Casamos em 1990. É engraçado pensar nisso
agora, mas a situação sempre se colocou para mim de uma forma muito natural. Com o
relacionamento se efetivando, eu percebia que o vínculo entre o Vicente e a minha filha
se fortalecia também. Creio que o fato do pai biológico não ter mantido uma relação mui-
to próxima contribuiu. Penso que, hoje, tudo é muito problematizado. No nosso caso, foi
levado naturalmente e deu certo. Lembro de uma situação curiosa: o pai biológico ligou,
uma funcionária nossa atendeu e passou o telefone para a Gizah, avisando que era 'o pai'
no telefone. Quando atendeu, ela falou 'Oi, Vice', que é como ela chama o Vicente. Foi
muito legal.
Vicente – Para cada pessoa a vida se apresenta de uma maneira. A relação com a Gizah
começou pelo amor que eu sentia por minha mulher e pelo fato de ela ser uma menininha
especial, carinhosa, afetuosa. Fui me apaixonando por essa filha que já veio pronta. Uma
situação que marcou nossa história, para mim, foi durante uma viagem de férias; ela de-
via ter uns 11, 12 anos. Estávamos em um hotel fazenda. e uma menina que estava lá, filha
dos donos do lugar, tinha uma situação parecida com a dela. Essa menina a questionou:
'Por que você não chama ele de pai?' E ela começou a me chamar de pai a partir daquele
momento. É engraçado, porque eu já tinha por ela o sentimento de que era uma filha, já
havia passado por muitas alegrias ao lado dela, ajudado quando ficava doente, me pre-
ocupado, mas não a chamava assim, 'filha', porque ela não me chamava de pai. Assim,
não me sentia no direito de pedir isso a ela. Quando ouvi dela, verbalizado, externando
aquilo, foi muito emocionante. Nunca imaginei que isso aconteceria comigo, esse tipo de
relação de pai e filha, mas aconteceu. Também não imaginei que teria filhos gêmeos, e
também aconteceu. São dádivas que a gente recebe da vida.
Gizah – Era muito pequena quando minha mãe começou a namorar o Vicente. Achava ele
gente boa, engraçado. Creio que com cinco, seis anos comecei a sentir que gostava mui-
to dele mesmo, como um pai. O fato é que o Vicente foi minha referência paterna desde
sempre. Meu pai sempre foi ele.
Registro com o nome das duas mães
Édina e Marisa (nomes fictícios) são casadas há nove anos e mães de uma menina de
seis anos e um bebê de dez meses. As crianças foram geradas por inseminação arti-
ficial e fertilização in vitro, respectivamente, com doador anônimo, sendo gestadas
por Marisa, a primeira com óvulo dela mesma e a segunda com óvulo de Édina. As
duas crianças foram registradas em nome das duas mães.
Édina – Antes do casamento a vontade de ter filhos já era grande nas duas. Oficializa-
mos a relação com união estável e, após dois anos, decidimos ter um bebê. O dia do
nascimento da nossa filha foi o momento mais feliz da minha vida. A princípio, a re-
gistramos apenas no nome da Marisa (que gestou a criança). Quando ela fez um ano
buscamos formalizar a situação da documentação, porque começaram a pesar ques-
tões práticas – plano de saúde, seguro de vida, patrimônio etc. Demos entrada no
processo de adoção unilate-
ral junto à Vara da Família e
tudo demorou mais ou me-
nos um ano. Ao final, a juí-
za expediu uma ordem para
o novo registro e fomos ao
cartório oficializar. O pro-
cesso foi simples, alteramos
a filiação para o nome das
duas (mães) e já saímos com
a nova certidão e um grande
sorriso no rosto.
Após a construção de nossa
casa resolvemos ter mais um
filho. Dessa vez, usamos meu óvulo e novamente Marisa assumiu a gestação. Para
acelerar o processo documental, antes de o bebê nascer, me informei com outras
pessoas que haviam passado por algo parecido. Busquei no hospital a garantia de
que na Guia de Nascido Vivo constaria o nome das duas, como mães. Procurei o car-
tório do nosso bairro antes mesmo de o bebê nascer para explicar a situação. Como
já esperava, era a primeira vez que encontravam uma demanda como a nossa, mas foi
muito tranquilo. Procurei a oficial de registro e relatei o caso, inclusive apresentando
documentos, entre eles a declaração do médico que fez o procedimento de fertiliza-
ção, afirmando o uso de doador anônimo no processo. Enfim, quando nosso segundo
filho nasceu, liguei para a oficial, que fez questão de ela mesma fazer o registro.
Nos dois processos nunca senti qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Nun-
ca precisamos sequer de advogado. Hoje, quando saímos em família, as quatro, e nos
perguntam 'qual de vocês é a mãe?', a resposta é natural: as duas.
ESPECIAL - DIREITO DE FAMÍLIA
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