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ESPAÇO DAS LETRAS
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Numa hora assim escura
Paula Dip, Editora José Olympio, 160 páginas, R$ 59,90
Durante sua pesquisa para o livro “Para sempre teu, Caio F”, a
escritora e jornalista Paula Dip conheceu um poeta baiano que
guardava um pacote de cartas que Caio Fernando Abreu en-
viou a Hilda Hilst entre os anos de 1971 e 1990. Eram inéditas.
Algumas ainda em envelopes selados, escritas à mão. Outras
datilografadas na sua máquina de escrever portátil, carinhosa-
mente chamada de Virginia Woolf.
O conteúdo das correspondências, que revela a grande amizade
e o verdadeiro caso de amor literário entre Caio e Hilda, permite
revisitar a juventude de Caio e voltar à lendária Casa do Sol, resi-
dência que a poetisa construiu emCampinas, onde o escritor morou durante o ano de 1969.
“As cartas ardiam em minhas mãos, tão preciosas que considerei estudá-las num curso
de mestrado, mas venceu o desejo de editar um novo volume das cartas do meu amigo.
Dividi-las com seu público, como ele queria”, conta Paula no prólogo do livro. Caio regis-
trava nas cartas seu dia a dia, seus conflitos internos, chamados por ele de “mergulho
no mais de fundo de mim”.
Olivro é mais um marco no encontro entre a obra de Caio F. e sucessivas gerações de
amantes da literatura brasileira. Ele que foi talvez o mais representativo prosador da
geração pop-contracultural das últimas três décadas do século passado. O “biógrafo de
emoções”. Sua obra, painel heterogêneo, composta por contos, romances, textos para
o teatro, além das crônicas que fizeram história e... das cartas. Já não se discute o valor
literário destas últimas.
Quanta riqueza de expressão neste conjunto endereçado a Hilda Hilst, que Paula nos
apresenta com a sensibilidade de sempre. E quanta informação sobre a vida literária do
período. Até aqui inédito, o conjunto não só amplia a visão que tínhamos do conteúdo
literário da amizade que unia Caio e Hilda Hilst, como também alarga o conhecimento
dos detalhes afetivos dessa relação. São marcantes as cartas mais recentes mostradas
por Paula, dos anos 1990, evidenciando que os laços entre esses dois grandes escritores
se mantiveram por toda a vida.
No texto de Paula Dip, tudo vem revestido de cuidado e atenção. Sobretudo vemos
desenhar-se diante de nós a geografia afetiva da Casa do Sol, a residência de Hilda Hilst
que constituiu como que um autêntico cenáculo pós-moderno de escritores, artistas,
intelectuais em nosso último fim de século. Compartilhar o espaço e toda a mística que
envolvia a Casa do Sol foi sem dúvida o momento do batismo de fogo de Caio Fernando
Abreu como ficcionista de primeira grandeza.