Revista Ações Legais - page 137

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ria bom se assim fosse no plano político, é possível que não resistisse um único, mas do
zero, da "tabula rasa" de que falava John Locke, pode vicejar uma plantação de orquídeas.
Cremos em mandatos renováveis por uma única vez. O terceiro é de quarentena. É dizer,
somente permitir-se uma única reeleição contínua, para os membros do Parlamento. Sem
reeleição para o Executivo. Estaria desmontada a "classe política", coisa do Brasil. Ferra-
menta do instrumento de projeto de poder. Consequentemente, de alinhamentos obtusos,
tráfico de influência e corrupção. Depois do cumprimento de dois mandatos parlamenta-
res, volta a casa. O problema, como dizem, é mais embaixo. Ganha um espumante quem
acertar que esse modelo venha na reforma política.
Voltemos ao ponto nevrálgico. O voto livre é possível. Não desfaz, de um atroo, nenhuma
democracia. Sua consequência é outra: o voto consciente. E dele uma depuração natural
da tal "classe". Por isso, podemos prever igual resistência. Dificilmente passa num País de
casta política, que nosso povo, ao longo da história, inerte expectador, viu se formar, crosta
sobre crosta. Hoje, extremamente endurecida, enfrenta o povo, para fazer seus interesses
e estabilidade financeira. Senadores e deputados, estaduais, federais e distritais, não raro,
reclamam de seus vencimentos. E ei-los, no pleito subsequente, lutando com unhas e den-
tes pela volta ao cargo. Ou são masoquistas ou nós figuramos entre os que gostam de ser
enganados.
Não há porque obrigar-me a votar, sem ferir minha mais íntima liberdade, tal qual a de ir
e vir. Se desejo ir a Roma, não posso ser obrigado a caminhar para Constantinopla. Todos
amam viajar, mas posso ter apreço pelas curtas viagens de Fernando Pessoa. No máximo,
de Lisboa a Cascais. Melhor que ir aoOriente, era limar seus poemas na Rua dos Douradores
e imaginar as outras paragens com a imponência do Tejo.
A oposição ao voto facultativo é utópica. Imaginem, dizem, que ninguém votasse. Como
ficaria a coisa pública? Claro que isso jamais ocorrerá. Sem voto proporcional e aproveita-
mento por falsos intelectuais da votação de Tiririca, só mediante a obtenção de um teto
mínimo de desejos um parlamentar seria eleito. Teríamos um número menor de represen-
tantes, mais qualificados. Maravilha.
Ao lado de liberar o voto, devemos estimulá-lo. O voto distrital misto, em dois candidatos,
um isolado e outro integrante de uma lista aberta, faria muita gente votar. Só a lista com
nomes conhecidos e importantes na sociedade induziria no sentido do bem a opção do lei-
tor. E ainda com "recall". Um sistema desse seria a base do parlamentarismo, virtude máxi-
ma das democracias, que povo brasileiro jamais teve, em sua pureza, e que não o quer, por
falta de informação e formação política.
A deplorar é que tais ideias são idealistas no cenário brasileiro de hoje e, ao menos tem-
po, são as reais, porquanto racionais. Como ensinava Hegel, "o real é racional, e o racional
é real". São alguns motivos para extirpar o voto obrigatório, somente por meio de nova
Constituição originária, já que seus beneficiários, nada ingênuos, o fizeram cláusula pétrea
na Constituição de outubro.
Por Amadeu Roberto Garrido de Paula,
advogado
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