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ARTIGO
Direito de defesa em
questão
Por Pierre Moreau, advogado
O
uso de instrumentos jurídicos na tentativa
de condenação judicial de envolvidos em
atos de corrupção não pode instaurar uma
era de violação de direitos constitucionais no país.
Isto mesmo com o anseio da sociedade por ações
mais eficazes de combate e prevenção a ilícitos, bem
como por punição a quem os pratica. Este é um de-
bate que exige a reflexão sobre como as investiga-
ções de crimes contra a administração pública se re-
lacionam com a conjuntura política e econômica na
qual nenhum inquérito pode relegar a presunção de
inocência emnome da presunção de culpa. Fato que,
se consumado, leva os investigados não somente a
condenações judiciais teoricamente questionáveis,
mas a ter imagem e reputação escrachadas publica-
mente.
Se, para fins de exemplo, a condução das investiga-
ções da Lava Jato estiverem violando o direito de
ampla defesa de alguns suspeitos ou mesmo infringi-
do princípios do processo penal brasileiro, essa má-
cula seria facilitada pelo uso da delação premiada. O
instrumento, de origem do direito norte-americano,
foi instituído no ordenamento jurídico nacional pela
Lei Anticorrupção desde agosto de 2013. O recurso é
bem-vindo, mas é preciso esclarecer que, como qual-
quer outro mecanismo jurídico, o uso da delação
premiada deve manter o diálogo com outras normas
legislativas e o devido respeito a princípios constitu-
cionais e direitos fundamentais.
Muitas das gravações utilizadas na delação dos irmãos Batista, da JBS, ocorreram antes
mesmo da autorização pela justiça para este recurso. Este fato permite o questionamen-
to se o uso dessas provas sequer possui legitimidade semelhante ao instrumento da ação
controlada. O recurso, disposto na Lei das Organizações Criminosas, consiste no adia-
mento da intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização
criminosa ou a ela vinculada. O instrumento deve ser mantido sob observação e acom-
panhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação
de provas e obtenção de informações. A legalidade também se insere no contexto do
flagrante esperado quando a ação policial ocorre diante da iminência de prática ilícita.
Mas também pode-se argumentar sobre a ilegalidade destas provas justamente porque
as gravações ocorrem antes de autorização judicial. Esta compreensão se insere no que
o direito nacional entende como flagrante preparado, meio de obtenção de provas proi-
bido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, em 1963, com a edição da Súmula 145.
A corte entende que não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna
impossível a sua consumação. Isto significa, na prática, que a condução das investigações
leva o suspeito ou investigado a cometer um crime. É esta a grande discussão sobre as
provas produzidas na delação premiada dos irmãos Batista, cuja legitimidade é questio-
nada sobre se houve um flagrante esperado ou previamente preparado.
A legitimidade ou não destas provas é um exemplo crasso de como as investigações po-
dem comprometer o destino de terceiros que supostamente praticaram ilícitos por meio
de acusações as quais podem resultar em condenações. Uma perícia sobre determinado
áudio, para indicar se houve alteração ou não em sua gravação, pode conduzir uma pes-
soa à prisão caso seja retardada ou mesmo não feita. Uma prisão ilegal por causa de uma
prova colocada que supostamente tem um indício grave na sua forma. É compreensível
que a sociedade espere por resultados rápidos no combate à corrupção, um sentimento
extremamente válido. Mas o assunto demanda a análise do que realmente acontece nes-
te momento no Brasil, pois em muitos casos o direito ao contraditório e à ampla defesa
estão cerceados.
Foto: Divulgação