Revista Ações Legais - page 46-47

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ARTIGO
Criminalização da
revenge
porn
e machismo
O
projeto de Lei n. 5555/2013, atualmente PL n.
18 de 2017, tem como mote viabilizar a pu-
nição em uma área já bastante conhecida,
mas de difícil regulação: a internet. O uso da inter-
net para a prática delitiva e as dificuldades em tipi-
ficar tais condutas, sobremaneira devido às rápidas
mudanças que acometem o setor, já é, de há muito,
tema de controvérsia entre estudiosos do Direito Pe-
nal. Prova disso é a chamada Lei Carolina Dieckmann,
n. 12,737 de 2012, que visou a tutelar penalmente a
invasão de dispositivo informático e condutas análo-
gas. Especificamente no que tange aos crimes con-
tra a honra, a propagação de ofensas ganhou uma
nova dimensão e abrangência quando cometida por
meios digitais, sendo absolutamente inapropriada a
regulação que persiste sobre o tema nos artigos 138
e seguintes do Código Penal.
No que tange à violência contra a mulher, a divulga-
ção de ofensas e, principalmente, a violação da inti-
midade de mulheres, provocando danos irreparáveis
emsua vida pessoal e profissional, especialmente por
meio da publicação de imagens íntimas, a chamada
revenge porn (pornografia de vingança), é fato corri-
queiro entre usuários de redes sociais ou aplicativos
que permitem compartilhamento de vídeos e ima-
gens, como o WhatsApp. Por revenge porn se enten-
de a divulgação, por meio de internet, de imagens e
vídeos íntimos. A gravação do material pode ter sido
ou não autorizada, porém sua divulgação é, em to-
dos os casos, feita sem o consentimento da vítima. O
algoz é, infelizmente, alguém que possui ou possuiu, na maioria das vezes, relação afetiva
com a vítima.
As mudanças legais propostas pelo referido projeto se dariam não apenas no âmbito da
Lei Maria da Penha, mas também no próprio Código Penal, abrangendo quem produz e
quem transmite ditas imagens sem autorização de seus participantes. A ação penal seria,
a princípio, condicionada à representação da vítima.
Os números alarmantes de violência contra a mulher no Brasil são tema de reiteradas pes-
quisas científicas e de palestras no âmbito jurídico. Segundo dados do Instituto Maria da
Penha, a cada dois segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no país. A
Lei Maria da Penha, n. 11.340 de 2006, em que pese tenha definido de forma abrangente
o conceito de violência contra a mulher, bem como buscado viabilizar, por diversos ins-
trumentos, o acesso das mulheres vítimas de violência aos canais de denúncia, não basta
para que a proteção seja considerada suficiente. A lei é, sim, um bom começo, jamais um
marco final desse caminho.
Em 2015, por meio da Lei n. 13.104, foi tipificado no Brasil o delito de Feminicídio, que con-
siste em matar mulher por razões da condição do sexo feminino, o que pode se dar por
meio de violência doméstica ou familiar ou, ainda, por motivo de menosprezo ou discrimi-
nação à condição de mulher, ou seja, misoginia. É relevante, nesse caso, o próprio ato de
dar um nome ao fenômeno, o que propicia de forma mais direta seu estudo e discussão.
Sabe-se que o direito penal atua após a violação de bens jurídicos, não sendo o instrumen-
to ideal para coibir os comportamentos violentos – a menos que se acredite cegamente
na função da pena como prevenção geral negativa.
Contudo, sabe-se que a mera alteração legislativa não é medida suficiente para a mudan-
ça de padrões comportamentais violentos, sendo necessário, sim, o desenvolvimento de
novas concepções culturais e educacionais em uma sociedade na qual ainda predomi-
nam, infelizmente, ideias machistas e patriarcais. No entanto, o direito tem, sem dúvida,
um papel fundamental na regulação dessas condutas e, no caso, na tentativa de constru-
ção de uma sociedade mais justa e menos violenta – na concepção mais ampla do termo
- para as próximas gerações.
Por Chiavelli Falavigno, doutoranda em
Direito Penal pela Universidade de São
Paulo com período de investigação na
Universidade de Hamburgo (Alemanha)
Foto: Divulgação
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