Revista Ações Legais - page 56-57

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*Por José Luiz Toro da Silva, advogado
teólogos, reconhecerem que a matéria é extremamente complexa. No Brasil, o tema da eutanásia
passa ganhar nova dimensão em face do aumento da expectativa de vida dos brasileiros e do avanço
tecnológico da medicina, que possui recursos para prolongar a vida dos pacientes, mesmo que seja
para mantê-los em estado vegetativo.
Alude-se que o Enunciado 533 da VI Jornada de Direito Civil evidencia que "o paciente plenamente
capaz poderá deliberar sobre todos os aspectos concernentes a tratamento médico que possa lhe
causar risco de vida, seja imediato ou mediato, salvo situaçõesde emergência ou no curso de proce-
dimentos médicos cirúrgicos que não possam ser interrompidos". Esta redação entende que tal exe-
gese está em conformidade com o disposto no art. 15 do Código Civil, justificando que o crescente
reconhecimento da autonomia da vontade e da autodeterminação dos pacientes nos processos de
tomada de decisão sobre tratamento de saúde é uma das marcas da contemporaneidade.
Urge, portanto, analisar o que se deve entender por respeitar o princípio da dignidade da pessoa.
Será que o prolongamento da vida de um paciente em estado terminal, que não possui chances de
cura, impingindo-lhe tratamentos inúteis ou obstinados, que somente lhe resultem em mais sofri-
mentos e custos é, de fato, uma atitude humana, simplesmente em respeito à sacralidade da vida?
É preciso pensar se cabe ao estado a função de obrigar uma pessoa a continuar a sua vida presa a
aparelhos. Ou seja, ao prolongamento artificial da vida. Necessário refletir se os médicos são obriga-
dos a manter uma pessoa em estado artificial ou se deveriam deixar que a vida siga o curso normal.
Constata-se que as iniciativas do Conselho Federal de Medicina, no Código de Ética Médica e na
Resolução CFM 1995/2012, já representa avanços expressivos, porém tais assuntos não podem ficar
restritos a uma visão corporativa, devendo ser amplamente debatidos por toda a sociedade. Deve
o parlamento brasileiro, após discussão pública, estabelecer uma legislação própria para a realidade
brasileira. As leis precisam assegurar que os cidadãos possam exercer de forma consciente, livre e
soberana, suas vontades. Deve o estado oferecer todo o amparo necessário e evitar que o testamen-
to vital seja utilizado para interesses ilícitos e não éticos, seja pelas famílias dos pacientes, segurado-
ras, planos de saúde e o próprio estado.
As legislações da Bélgica, Holanda e Portugal representam importante norte para o debate. Porém,
é preciso buscar uma solução nacional com respeito às características próprias do povo brasileiro.
Válido lembrar que muitos brasileiros ainda não têm acesso à educação, que dirá à saúde, para ava-
liar determinadas situações e exprimir, de forma livre e consciente, sua opinião.
Existem, ainda, os aspectos familiares, econômicos e sociais que certamente precisam ser sopesa-
dos nesta seara. Ademais, é inegável que a sociedade caminha para o reconhecimento da autonomia
da vontade, no sentido amplo, assegurando o consentimento informado e, sobretudo, a liberdade
de escolha.
ARTIGO
A liberdade de morrer
N
o Brasil existem poucos trabalhos acadêmicos so-
bre o tema da liberdade de morrer. Julgados, então,
praticamente, inexistem. Tal fato se justifica porque
até outro dia o Brasil era um país de jovens, onde as pessoas
morriam antes dos 60 anos, vítimas das mais diversas maze-
las que afligem países subdesenvolvidos. Porém, percebe-
-se que a situação começa a mudar e em pouco tempo o
país será um país de idosos. Projeções do IBGE indicam que
até 2050 o número de idosos no país deve ultrapassar 64
milhões de pessoas.
Hoje, as pessoas vivem mais e a medicina tem condições,
em algumas situações, de prolongar a vida das pessoas.
Existem recursos médico-tecnológicos que possibilitam a
continuidade da vida, mesmo que seja em estado vegetativo.
Portanto, a discussão sobre a liberdade de morrer, diante dessas novas conjunturas, passa a ser
plausível, não podendo ser tratado como tabu ou heresia. É claro que questões religiosas devem ser
trazidas para o debate, porém, racionalmente, é possível imaginarmos situações onde a continuida-
de da vida é realizada sem qualquer qualidade ou até mesmo de forma atentatória à dignidade da
pessoa.
Afinal, a pessoa tem liberdade para decidir que tipo de tratamento médico deseja que lhe seja apli-
cado? Pode o Estado obrigar alguém a viver preso a aparelhos?
Na obra Autonomia Privada e Direito de Morrer, Rachel Sztajn, a eminente professora associada da
USP, questiona se devemos permitir que a natureza siga seu curso normal até a morte ou o processo
de morrer pode ser antecipado? É dever do profissional da saúde alterar o curso da natureza quan-
do voltado para prolongar a vida ou pode, ao contrário, não o fazer, deixar de interferir no curso da
moléstia e permitir a morte?
Nos hospitais há esforço hercúleo, com alta tecnologia, para manutenção da vida. Isso tem, emmui-
tos casos, onerado excessivamente o custo da saúde. E muitas vezes representam uma vida sem
qualidade, presa a aparelhos e com tratamentos dolorosos ou debilitantes. Diante deste quadro, a
questão da eutanásia e variantes devem ser devidamente analisadas pelos profissionais do direito e
precisam ser debatidas pela sociedade brasileira.
Reitera-se que esta não é uma questão de fácil resolução, devendo todos os aspectos serem con-
siderados, principalmente para que a liberdade de morrer seja exercida com total autonomia. Na
maioria dos países, a eutanásia é considerada crime, não obstante juristas, médicos e, até mesmo,
Foto: Divulgação
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