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casamento.
Mas a pergunta é: e se a esposa tivesse ciência da união estável, não estaria ela aceitando
as consequências jurídicas desta relação concomitante? Qual é o motivo que nos leva a
beneficiar o casamento em detrimento das diversas relações contemporâneas? Qual é a
razão de prejudicar a companheira em benefício da esposa?
O jurista Rodrigo da Cunha Pereira, no brilhante artigo Direito de Família e Fetichismo,
afirma que: “O justo e o legal nem sempre são coincidentes. Ao depararmos com esse
velho e persistente dilema, melhor seguirmos pelo caminho do justo. Ficar apegado ex-
cessivamente à literalidade da lei pode significar insegurança ou um fetichismo.“
Enquanto a jurisprudência do STJ não admite o reconhecimento de uniões estáveis pa-
ralelas ou de união estável concomitante a casamento, os tribunais estaduais andam em
caminhos diversos, reconhecendo o fato e aplicando os direitos assegurados pela norma.
Se, de fato, existem duas relações com todos os fundamentos jurídicos inerentes à união
estável, negar-lhe vigência é o mesmo que negar existência do Estado democrático de
direito e seus princípios, em especial os da dignidade humana, da pluralidade das famílias,
da menor intervenção estatal e autonomia privada.
O STF está prestes a julgar dois processos que discutem o presente tema, o Recurso Ex-
traordinário 1045.273/SE e o RE 883.168/SC. O primeiro diz respeito a possibilidade da divi-
são da pensão por morte entre dois companheiros, de duas relações estáveis diferentes.
Já o segundo, vislumbra a possibilidade da divisão da pensão por morte entre a viúva do
casamento e da união estável paralela ao casamento, em caso de morte daquele que era
o companheiro de uma e o esposo da outra.
Pelo exposto, inevitável é apegar-se à literalidade da lei sem interpretá-la no contexto
social, que exige a constante evolução do Direito. Foi essa mesma moral de exclusão que
também negou aos relacionamentos homoafetivos o direito de constituírem família, dos
filhos havidos fora do casamento não serem reconhecidos e, por fim, dos casamentos
religiosos serem a única forma de constituição familiar. E o que é necessário saber é que,
com proibição ou não, essas formas de relacionamentos vão continuar existindo, quer
gostemos ou não, queiramos ou não, já que a vida como ela é se sobrepõe ao Direito.
Por Samira Tanus Madeira, advogada
com especialização em Direito
Processual Civil e Direito Imobiliário
Uniões estáveis simultâneas
e o reconhecimento do STJ:
como está a situação no Brasil?
N
o passado, tamanha era a influência da Igreja
Católica na sociedade que o casamento váli-
do era o celebrado no religioso. A partir do
reconhecimento do Estado Laico pela Constituição
de 1891, a primeira mudança ocorreu, de fato, desvin-
culando o casamento da religião, momento em que
passou a ser válido somente o casamento civil, cele-
brado de acordo com os ditames legais.
Mesmo com o reconhecimento do Estado laico, até
a Constituição da Republica de 1988, os filhos havi-
dos fora do casamento eram todos ilegítimos. Em-
bora existissem na vida real, não podiam existir para
o Direito, ou seja, ficavam à margem da sociedade.
Afirmavam que, deste modo, estavam protegendo o
casamento, a moral e os bons costumes.
Somente com o Novo Código Civil de 2002 é que o casamento deixou de ser o regime
absoluto de convivência “com intuito de criação de uma família”. Foi reconhecida a mo-
dalidade chamada de união estável e seus direitos foram tutelados.
É aqui o cerne do presente artigo, em que o Estado muitas vezes deixa de tutelar um tipo
específico de relação existente, negando-lhe existência, sob fundamentos morais ligados
ao Estado católico por essência.
Como exemplo, podemos citar um recente julgamento do STJ , ocorrido em 2018, em
que o requerido mantinha duas relações : um casamento e uma união estável. Porém, o
pedido de reconhecimento da união estável foi julgado improcedente, apenas pelo fato
da companheira não ter comprovado que não possuía ciência do casamento. Ou seja,
foi negado o fato social de que conviveram por 17 anos cumprindo os requisitos formais
caracterizadores da união estável, pelo simples fato da ciência (ou não) da existência do
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