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ESPAÇO DAS LETRAS
NARRATIVA DE WILLIAM WELLS
BROWN,
ESCRAVO FUGITIVO
WilliamWells Brown, Editora Hedra, 140 páginas, R$
39,90
William Wells Brown (1814–1884) foi um abolicionis-
ta, romancista, dramaturgo e historiador afro-ame-
ricano. Nascido escravo, fugiu para a liberdade aos
20 anos de idade e, aos 33, publicou essa narrativa.
Aqui conta a história de sua vida nos estados do Ken-
tucky e Missouri, onde trabalhou como aprendiz em
um jornal, transportando escravos para a venda em
Nova Orleans e em diversas outras atividades. Des-
creve os horrores da escravidão, o tráfico interno
de escravos nos EUA e a relação de Brown com seus
donos e familiares. O autor, no entanto, não hesita
em revelar seus vícios e defeitos, destacando assim
a individualidade que se desenvolveu sob uma ins-
tituição totalizante e desumanizadora, que via em
homens e mulheres apenas braços para a lavoura e
ventres para uma nova geração de cativos. A Narra-
tiva de William Wells Brown é uma crítica à ganância
e à hipocrisia religiosa, ao preconceito e à violência, mas, acima de tudo, é uma proclamação
da humanidade do seu autor e de todos que sofreram ao seu lado.
NARRATIVAS DA ESCRAVIDÃO
A editora Hedra lança os primeiros três títulos da coleção “Narrativas da Escravidão”: “Nar-
rativa de WilliamWells Brown, escravo fugitivo”, de WilliamWells Brown; “Incidentes da vida
de uma escrava”, de Harriet Jacobs; e “Nascidos na escravidão — depoimentos norte-ame-
ricanos”, organizado por Paul D. Escott. “Narrativas da escravidão” traz relatos em primeira
pessoa daqueles que sofreram a experiência da escravidão norte-americana. Desde autobio-
grafias publicadas no século XIX até depoimentos recolhidos no século XX, as vozes reunidas
na coleção descrevem o universo familiar dos escravizados e a resistência do trabalhador,
mas também a exploração e a violência simbólica, física e até sexual cometida pelos senhores
brancos. Seus testemunhos sugerem que o objetivo da escravidão racial num passado não
muito remoto era análogo à utopia autoritária do capital no século XXI: desumanizar o ser
humano até reduzi-lo à condição inanimada e sedutora de uma mercadoria.
NASCIDOS NA ESCRAVIDÃO — DEPOIMENTOS NOR-
TE-AMERICANOS
Paul D. Escott (org.), Editora Hedra, 354 páginas, R$
49,90
Inéditas no país, a edição reúne narrativas de 204 ex-
-escravizados norte-americanos sobre temas centrais
da escravidão nas Américas: cultura negra, resistên-
cia, violência, relações familiares durante a escravidão,
trabalho, emancipação — organizadas por Paul D. Es-
cott, historiador e professor da Wake Forest Universi-
ty. Coletadas através do Projeto Federal de Escritores
(FWP), pertencente ao órgão Administração do Pro-
gresso no Trabalho (WPA), criado na esteira da Crise
de 1929 para garantir a renda de escritores desempre-
gados, as narrativas revelam a memória das milhares
de pessoas sobreviventes ao trauma da escravidão.
Ao todo, o Projeto Federal de Escritores salvou 2400
narrativas, aproximações de dentro, em perspectiva
única, do que foi o escravismo sulista norte-america-
no, que às vésperas da abolição da escravatura conta-
va com 4 milhões de escravizados em seus campos de
trabalho.
INCIDENTES DA VIDA DE UMA ESCRAVA
Harriet Jacobs, Editora Hedra, 404 páginas, R$ 49,90
Nascida na Carolina do Norte por volta do outono de
1813, Harriet Ann Jacobs viveu a tragédia do cativeiro
até principiar uma vida em fuga que terminou por levá-
-la ao Norte em 1842. Foi de Boston que Jacobs pôde
produzir Incidentes da vida de uma escrava que, sem
deixar de se inserir no corpus dos relatos da escravidão
norte-americana, guarda uma singularidade: é pioneiro
e inspirador das autobiografias femininas, e joga luz nos
horrores que eram partilhados apenas entre as mulhe-
res. “A escravidão é terrível para os homens”, escreve
a autora, “mas é muito mais terrível para as mulheres”.
Jacobs convive, antes e depois da fuga, com o perver-
so sistema de assédio e coação sexual contra o qual as
escravas procuravam lutar. Transmitindo brilhantemen-
te uma vida em prosa crua e seca, Incidentes da vida
de uma escrava adiciona camadas de complexidade ao
horror da escravatura.