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Com efeito, pode-se afirmar que a gradativa
construção de um Estado Democrático de Di-
reito não se perfaz com a mera auto-intitulação
como tal. Corresponde, pois, a consectário lógico da
limitação da esfera de atuação estatal em prol da li-
berdade do indivíduo. Entretanto, não se pode falar
em liberdade quando dissociada de instrumentos
idôneos à sua efetiva garantia, sob pena de se tornar
falacioso o discurso democrático transmitido aos ci-
dadãos.”
No inícioúltima semana, aministraCármenLúciadefe-
riu, no bojo da Reclamação 24.144/DF, medida liminar
para suspender a execução definitiva da pena impos-
ta à uma advogada do Espírito Santo, cuja condena-
ção foi confirmada pelo Tribunal de Justiça daquele
estado. Originariamente, a advogada foi condenada
pelos crimes de denunciação caluniosa e difamação,
a pena de cinco anos de reclusão, em regime inicial-
mente semiaberto.
Recomenda-se a leitura da decisão monocrática exa-
rada pela relatora, pois que diversos temas são tan-
genciados, dentre os quais, a crescente tentativa de
criminalizar-se o exercício da advocacia criminal (ob-
viamente, esta atitude não é atribuída à E. relatora
da ação mandamental). Independentemente do caso
aqui tratado, essencial que se desenvolvam, mormen-
te no seio da sociedade civil a necessária conscienti-
ARTIGO
Reclamação 24.144 serve
para deslegitimar o Habeas
Corpus 126.292
zação sobre a importância da advocacia e dos direitos do advogado. Assim, bastante elo-
giável o trabalho desenvolvido pela Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), sob
conduto do seu presidente, Leonardo Sica. Apenas com a informação constante a respei-
to das prerrogativas dos causídicos, se conseguirá os ditames da nossa Constituição.
Resumidamente, a reclamante se insurge contra suposta suspeição/impedimento do
Tribunal de Justiça do Espírito Santo, uma vez que, na Ação Penal em que figura como
ré, a Associação dos Magistrados do Estado do Espírito Santo serve como Assistente de
Acusação. Dessa forma, competiria ao Supremo Tribunal Federal julgar originariamente a
causa.
O imbróglio diz respeito à possibilidade de aplicação do artigo 102, inciso I, alínea “n” da
Constituição da República, in verbis:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Cons-
tituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamen-
te interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de ori-
gem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados.
Pendentes recursos no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, a con-
denação pode ainda ser revista. Por outro lado, bem entendeu a ministra Cármen Lúcia a
respeito da premente necessidade de suspender a execução definitiva até o julgamento
final da reclamação, momento em que se avaliará a suspeição/impedimento ou não do
Tribunal de Justiça. A relatora reconheceu o perigo da demora e assim sinalizou:
“O periculum in mora está demonstrado pela possibilidade de trânsito em julgado
da decisão condenatória com o julgamento do Recurso Extraordinário comAgravo
n. 948.144, também da minha relatoria, o que conduziria à transferência da Pacien-
te da prisão domiciliar para um estabelecimento penal do sistema penitenciário no
juízo da condenação.”
Para além dos meandros que caracterizam a reclamação ora em comento, percebe-se
que a segurança, a certeza e a crença cega nas condenações proferidas pelos Tribunais de
Justiça não podem persistir. Faz-se patente reconhecer, não a “incapacidade” dos Egré-
gios Tribunais, mas a falibilidadede qualquer órgão, que por mais competência que revele
e demonstre, sempre poderá errar.
O julgamento do Habeas Corpus 126.292 causou comoção e foi motivo, lamentavelmen-
te, de júbilo pela maioria da população, inclusive acadêmicos e técnicos. Exceção feita a
Divulgação