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o Ministério Público oferece a denúncia existe a possibilidade de o acusado confessar a
prática do crime, assumir a culpa, renunciar ao exercício de defesa e aceitar a imposição
imediata de pena. Caso o acordo não seja homologado, aquilo que foi confessado não
pode ser usado como prova contra o condenado.
“Nestes aspectos, pode até parecer uma mudança favorável, contudo, é um erro trazer
um instituto jurídico americano de um sistema que funciona de forma muito diferente
da nossa”, analisa Lucchesi. “A principal diferença é que o plea bargain, instituído nos
Estados Unidos, prevê a obrigatoriedade, já no início do processo penal, de se colocar
à disposição da defesa todas as provas que tendem a condenar o acusado e também as
potencialmente absolutórias. Assim, o acusado pode avaliar bem a situação e escolher
exercer a defesa ou aceitar a aplicação imediata de pena”.
Porém, no Brasil, prossegue o advogado, “todos sabemos que a ocultação de provas é
muito comum na nossa tradição jurídica, o que não permite que a defesa tenha ummapa
claro da situação e também dificulta a decisão do acusado em realizar o acordo”. Lucche-
si se coloca diametralmente contra a criação do acordo penal caso não sejam instituídas
sanções graves para ocultação de provas. “Esta proposta é perigosa e problemática num
sistema de acordo penal com esses resquícios culturais, pois continua incentivando o Mi-
nistério Público a esconder as cartas até o fim e aplicar o blefe”, critica.
Interpretações arbitrárias
Em geral, o anteprojeto apresenta uma série de defeitos, opção por disposições e ter-
mos jurídicos bastante vagos, de conteúdo impreciso e indeterminado, que podem levar,
sem dúvida, interpretações arbitrárias. Cita a expressão "criminosos habituais", que no
projeto não está bem definido se é alguém que já foi condenado ou que está sendo acu-
sado diversas vezes. Já em outro ponto do anteprojeto, no caso da execução provisória,
o tribunal poderá deixar de decretar a execução provisória caso reconheça haver chance
de sua decisão sofrer mudanças mais para frente. “Nenhum magistrado pode decidir em
situação de dúvida. É algo totalmente sem sentido”, afirma Lucchesi.
“O projeto foi estruturado com profundo conhecimento de como funciona na prática o
sistema penal brasileiro, contudo, não há muita experiência em técnica legislativa, tor-
nando o conteúdo de difícil operacionalidade”, avalia Lucchesi. Para o professor, agora
é necessário aguardar o trâmite do anteprojeto na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal. “A proposta será amplamente estudada a respeito de sua legalidade e constitu-
cionalidade e estará sujeita a emendas por parte dos parlamentares. O produto final será
submetido ao presidente da República, que terá o poder de vetar integral ou parcialmen-
te a proposta”, frisa.
Defeito em conteúdo
O pacote anticrime não inova quando cria uma excludente de culpabilidade para o homi-
cídio praticado em situações de medo, susto ou perturbação emocional, destaca o advo-
gado Lucchesi, ao analisar ponto polêmico da proposta. De acordo com ele, a legítima
defesa exige que a pessoa se defenda usando moderadamente os meios necessários.
“Se ela ultrapassar esse limite estará praticando o excesso de legítima defesa, punido por
lei”, sublinha.
Lucchesi ressalta que o excesso de legítima defesa se caracteriza pela desproporcionali-
dade do meio defensivo utilizado. “Por exemplo, uma pessoa agride outra com um soco
no rosto. Para se defender, o agredido mata o agressor com um tiro na cabeça. Existe aí
um claro excesso de legítima defesa e, a primeira vítima, neste caso, responderá por ho-
micídio doloso”.
O anteprojeto anticrime propõe incluir expressamente a excludente de culpabilidade
quando o excesso de legítima defesa for causado por medo, susto ou perturbação. “Não
está, em nenhuma hipótese, colocando que o homicídio cometido sempre que houver
medo, susto ou perturbação deixa de ser crime. O que se propõe é que quando o excesso
ocorrer nestas condições, o juiz pode reduzir até a metade a pena ou deixar de aplicá-la”,
observa Lucchesi.
Mais uma vez, Lucchesi destaca que as reformas pretendidas pelo Poder Executivo con-
têm defeitos técnicos e explica: “Se trata-se de uma hipótese de excludente de culpabili-
dade em casos de excesso de legítima defesa provocados por medo, surpresa ou violenta
emoção, a única solução possível seria deixar de aplicar pena”, ressalta. "A redução de
pena é incompatível com a excludente de culpabilidade".
PACOTE ANTICRIME
Guilherme Brenner Lucchesi é doutor em Direi-
to pelo Programa de Pós-graduação em Direito
da UFPR e Master of Laws (LL.M.) pela Cornell
Law School. Professor de Direito Processual Pe-
nal da Universidade Federal do Paraná, presi-
dente do Instituto Brasileiro de Direito Penal
Econômico (2018-2020), diretor da revista do
Instituto dos Advogados do Brasil (2017-2019)
e membro do New York State Bar (habilitação
para advogar no Estado de Nova York - EUA).
Autor do livro “Punindo a culpa como dolo: o
uso da cegueira deliberada no Brasil”, publicado
pela Editora Marcial Pons.