Revista Ações Legais - page 68-69

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ARTIGO
Repatriação de bens e o
dilema dos contribuintes
Por Fábio Soares de Melo e Peirre Moreau
D
iante do avassalador incremento da tecnolo-
gia e do crescimento do número de tratados
de cooperação jurídica internacional, há uma
natural tendência pela adoção de convênios e acor-
dos de cooperação entre os órgãos e as agências de
controle do Estado. Afinal, é cada vez maior a intro-
missão estatal na esfera privada do cidadão-contri-
buinte, não havendo mais espaços livres de vigilân-
cia do Estado ante a sofisticação da fiscalização dos
fluxos transnacionais do capital.
O assunto passa a ter maior relevo a partir da assina-
tura pelo Brasil e Estados Unidos da América do pro-
tocolo IGA (Intergovernamental Agreement), que
autoriza o processo de intercâmbio direto de infor-
mações tributárias, buscando implementar a políti-
ca do FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act).
Neste contexto, a Lei nº 13.254, de 13.01.16, conhe-
cida popularmente como “Lei da Repatriação de
Bens”, institui o Regime Especial de regularização
cambial e tributária, permitindo que recursos, bens
ou direitos, com origem lícita, de pessoas físicas ou
jurídicas, que tenham sido transferidos ou mantidos
no exterior, sem terem sido declarados oficialmente
ou declarados com omissão ou incorreção, possam
ser regularizados.
Em linhas gerais, o contribuinte que aderir ao Regi-
me Especial estará sujeito à tributação pelo Imposto
de Renda, a título de ganho de capital, pela aplica-
ção da alíquota de 15% (quinze por cento) sobre o
DIREITO INTELECTUAL
valor de mercado dos ativos, bem como da multa correspondente a 100% (cem por cento)
– quando não isenta nos termos da lei, totalizando 30% (trinta por cento) sobre o total
regularizado.
Para fins de cálculo, o valor dos ativos detidos no exterior será convertido emDólar norte-
-americano e, posteriormente, em Real pela cotação do dólar para venda do dia 31.12.14.
Observa-se que se trata de relevante benefício, considerando a atual diferença entre as
taxas cambiais e àquelas vigentes em 31.12.14.
Para aderir ao programa, o contribuinte deverá apresentar declaração única de regulari-
zação à Receita Federal do Brasil (RFB) e ao Banco Central do Brasil (BACEN), indicando
os ativos detidos no exterior, seu valor em 31.12.14 e respectiva origem: benefício adicio-
nal consiste na extinção da multa aplicável pelo BACEN pela não apresentação da Decla-
ração de Capitais Brasileiros no Exterior.
A Lei beneficiará quem voluntariamente declarar ou retificar a declaração incorreta. O Re-
gime Especial também se aplica aos atualmente não residentes no momento da publica-
ção da Lei, desde que residentes ou domiciliados no País conforme a legislação tributária
em 31.12.14. Os efeitos serão aplicados ainda ao espólio cuja sucessão esteja aberta em 31
de dezembro de 2014.
Em regra, a regularização da situação implica na isenção de responsabilidade por delitos
contra a ordem tributária.
É inconteste que a Lei de Repatriação de Bens configura relevante oportunidade aos
contribuintes que pretendem regularizar situações cambiais e fiscais, no entanto, requer
extrema cautela, na medida em que se deve observar os riscos de natureza tributária,
civil e penal, decorrentes da adesão ao Regime Especial, especialmente face à eventual
permuta e compartilhamento de informações nas aludidas esferas, em que pese a Lei
expressamente prever ser vedada a divulgação ou o compartilhamento das informações
prestadas pelos declarantes com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, inclusive
para fins de constituição de crédito tributário, equiparando-se a quebra do sigilo fiscal,
sujeitando o responsável às penas previstas em Lei.
Isto porque, muito embora seja assegurada pela legislação que as instituições financeiras
ou o fisco resguardem o sigilo das informações fornecidas, com a evolução da tecnologia,
em especial a internet, existem situações em que esses dados podem ser revelados con-
tra a vontade de todos, ou seja, hoje os mecanismos que temos para guardar os dados
bancários e fiscais não são consideradas totalmente seguros, sendo cada vez mais emi-
nentes os riscos envolvidos.
Demais preocupações decorrem da própria redação da Lei, muitas vezes branda a possi-
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