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Robotização na solução de
conflitos
C
irculou na mídia e nas redes sociais a notícia
que o governo da Estônia, país Báltico situado
no nordeste da Europa que está virando refe-
rência no emprego de soluções tecnológicas de van-
guarda nos serviços públicos, está desenvolvendo
um projeto-piloto para que, até o final do ano, confli-
tos envolvendo questões contratuais de menor valor
(de até 7 mil euros) sejam julgados por um juiz robô.
Ele decidirá a controvérsia utilizando-se de inteligên-
cia artificial, podendo a decisão ser revisada por um
juiz humano.
O intuito do projeto é reduzir a quantidade de proces-
sos julgados por juízes de carne e osso e “desafogar”
o poder judiciário. A ideia é solucionar um problema
que é exponencialmente maior na realidade brasilei-
ra, de tal modo que imaginarmos que medida seme-
lhante possa ocorrer no futuro próximo no Brasil não
é devaneio de ficção científica.
Obviamente, qualquer medida que tenha por propó-
sito maior remediar o colapso que temos no nosso
poder judiciário é louvável. Porém, a reflexão que tem
de ser feita é um pouco mais profunda e extrapola o
âmbito jurídico.
Não é mais novidade para ninguém que vivemos
numa sociedade hiperconectada, na qual estamos
acessíveis desde a hora que acordamos até quando
vamos dormir, sendo diversas as ferramentas de co-
municação utilizadas para relações profissionais e
pessoais. Curiosamente, quanto mais conectados es-
tamos, menos dialogamos. Estamos gradativamente
perdendo o hábito da conversa olho no olho, da ne-
Por Gustavo Pires Ribeiro, advogado
gociação presencial, da empatia em “tempo real”, e maquinizando as nossas relações.
Não é por acaso que as competências emocionais estão sendo cada vez mais valorizadas
no mercado de trabalho. A habilidade da comunicação, que antes era instintiva e natural,
agora é algo em escassez e que necessita ser desenvolvida, não apenas nos jovens profis-
sionais, mas em todos que atuam em alguma profissão.
Nesse contexto, a iniciativa estônica chega a parecer óbvia e condizente com a sociedade
atual. Entretanto, se adotarmos como premissa que usaremos máquinas para resolver os
problemas que não estamos conseguindo por meio da interação humana, teremos em
breve uma sociedade muda, sem espaço para o diálogo.
Imaginemos que a robotização não fique restrita ao poder judiciário, mas futuramente
passe a ser adotada também nos meios extrajudiciais de solução de controvérsias (os
MESCs), como mediação e arbitragem. Será que teremos em breve mediadores e árbitros
robôs?
Independentemente do mecanismo que as partes decidam utilizar para a resolução de
uma disputa, enquanto sociedade, todos os envolvidos no conflito (partes, assessores,
interlocutores e julgadores, se aplicável) deveriam preocupar-se com a manutenção ou
reconstrução das relações humanas
Confesso que ao escrever esse texto sinto-me, de certa forma, um taxista pregando con-
tra a “uberização”. Talvez seja um sentimento comum a diversos outros indivíduos da
geração X que, como eu, ficam constrangidos ao questionar os avanços tecnológicos. De
todo modo, o leve constrangimento não é impeditivo para que seja feita a reflexão: es-
tamos fazendo muito para resolvermos de forma mais célere e eficaz os problemas que
nós mesmos criamos, mas o que temos feito para preservarmos as relações humanas, o
diálogo e a empatia?
Aos diversos advogados que (assim como eu) estão sendo surpreendidos pelas novas
tecnologias, fica uma sugestão: mais foco nas pessoas e não apenas nos problemas. A
assessoria especializada e preventiva é indicada para a redução dos litígios, mas o uso
apenas das ferramentas jurídicas pode ser ineficaz para preservar o maior interesse que
temos enquanto sociedade: as relações humanas.